Fabiano Ribeiro
A frase famosa do poeta cubano José Martí que diz que um homem deve, na vida, plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, está prestes a se completar para o aposentado Rivaldo Marchezzi, de 92 anos. No final deste mês ele lança o livro “Memórias Acrônicas – Homenagens, Memórias e Relatos”.
Rivaldo, que é pai de cinco filhos, seis netos e três bisnetos, e que já plantou dezenas de árvores na chácara onde reside, no Condomínio Hípica, em Ribeirão Preto, recebeu a reportagem do Tribuna Ribeirão para falar sobre sua obra e um pouco do seu legado.
“Eu sou um dos dois vivos que constam na ata de fundação da Sociedade Hípica e do Condomínio Chácara Hípica. Sou o sócio número 8”, conta, iniciando a conversa fazendo referência a ser um dos moradores mais antigos do local. Segundo ele, o outro sócio vivo é o advogado Valdo Silveira Júnior, cujo pai foi o fundador do clube.
Nascido em Bebedouro e criado em Matão, Rivaldo mudou-se para Ribeirão Preto em 1955 a convite do empresário Elpídio Marchesi. “Vim para trabalhar como contador, depois me tornei administrador de empresas”, lembra.
Vagões de trem
Na chácara onde mora, Rivaldo reserva uma particularidade. Ele tem três vagões de trem no quintal. Por quê? Nem ele sabe. “Nunca pensei em cavalo e entrei no hipismo. Nunca pensei em ter vagão, mas tenho. Vi que havia um leilão de vagões e arrematei quatro vagões [um ele se desfez], todos documentados. Isso aconteceu… sei lá, do nada. Pensei, vou comprar quatro vagões”, brinca sobre a aquisição em 1970.
Os vagões foram reformados minuciosamente. Tornou-se um hobby para ele. Os três estão posicionados estrategicamente no quintal e foram ocupados como moradia para um dos filhos. Neles há outros objetos, hoje utilizados como decoração, que fazem referência ao período em que o transporte por ferrovias era o mais utilizado no Brasil. Rivaldo diz que a família sempre se reúne para conversas dentro dos vagões. “As crianças amam”.
Essa é uma das histórias que constam no livro, escrito em apenas três meses. “Pensei em escrever um romance, mas percebi que eu não tinha capacidade, apesar da palavra ser o meu forte e ter uma cultura razoável. Desisti”, confidencia. O projeto foi reestabelecido com o apoio da nora, a artista plástica Heloisa Junqueira. “Foi ela que me estimulou, me incentivou e me patrocinou a escrever minhas memórias”, acrescenta.
Além da história de como começou com a paixão pelos vagões, Rivaldo fala um pouco de sua carreira profissional, em que além de contador e administrador, atuou na área de marketing em grandes empresas.
“Tem um que considero um verdadeiro diploma”, afirma. A história refere-se à venda de produtos da Dabi Atlante a uma empresa chilena, vencendo outros concorrentes da América Latina. “Eles mandaram representantes e eu os acompanhei durante toda a semana. Mostrei tudo a eles. Na hora de irem embora eu, no aeroporto, peguei um envelope e o coloquei no bolso do chefe da delegação. Eu havia escrito um laudo da visita, em primeira pessoa. Disse a ele que ele poderia ler, mas se não fosse de bom uso que poderia jogar fora. Era como se ele estivesse fazendo uma defesa da compra dos equipamentos. No final, eles utilizaram o relatório da maneira que eu escrevi e o negócio foi firmado”, conta.
Rivaldo também relata como conseguiu proporcionar a fusão das empresas Dabi, de Ribeirão Preto, com a Atlante, com sede na capital paulista. A Atlante detinha 60% do mercado e a Dabi em torno de 30%.
Apesar de sua habilidade em negociar, o aposentado diz que nunca conseguiu sucesso como empresário. “Eu, aos 40 anos, queria me matar. Pensava que estaria aposentado, mas nunca consegui prosperar com meus negócios. Eu não tinha capacidade de correr riscos, mas consegui fazer com que os negócios de outras pessoas se tornassem sucesso”.
Amor e poemas
Na casa onde reside Rivaldo guarda muitas peças que servem como decoração. Ele mostra uma caixa de madeira maciça e pesada. “Essa caixa era usada nos trens. Colocavam-se correspondência em uma estação e ela era aberta em outra, e assim sucessivamente. Foi o precursor do e-mail”, brinca. “Esse lampião foi feito em Birmingham, na Inglaterra. Ele era usado nas estações também.
Se você virar de um lado emite um sinal luminoso verde, do outro vermelho. Era para mostrar ao maquinista se ele poderia ou não avançar com o trem”, explica sobre o artefato histórico.
Além dos objetos, é possível ver frases aleatórias escritas em uma parede de vidro, que separa a varanda da sala. “O que faço da vida sem você”, diz uma. “Eu escrevo em homenagem à minha esposa que me deixou há seis anos. Sempre escrevo alguma frase”, diz emocionado.
No livro, Rivaldo traz poemas e algumas homenagens à esposa Neide. “Foram setenta anos de convívio. Sinto muita falta”, lamenta.
Ao comentar sobre sua saúde e lucidez, o aposentado, aos 92 anos, diz que ama a vida. “Não tem segredo. Eu amo viver. Não quero morrer. Se a morte aparecer ela vai ter que lutar muito pra me levar. Daqui não saio”, se despede, em meio a boas risadas.