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Legado – Homenagens, memórias e relatos

FOTOS: ALFREDO RISK

Fabiano Ribeiro

A frase famosa do poe­ta cubano José Martí que diz que um homem deve, na vida, plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, está prestes a se completar para o aposentado Rivaldo Marchez­zi, de 92 anos. No final deste mês ele lança o livro “Memó­rias Acrônicas – Homena­gens, Memórias e Relatos”.

O aposentado Rivaldo Marchezzi, de 92 anos, teve filhos, plantou árvores e agora vai lançar seu livro de memórias

Rivaldo, que é pai de cinco filhos, seis netos e três bisne­tos, e que já plantou dezenas de árvores na chácara onde reside, no Condomínio Hípica, em Ribeirão Preto, recebeu a reportagem do Tribuna Ribei­rão para falar sobre sua obra e um pouco do seu legado.

“Eu sou um dos dois vivos que constam na ata de fun­dação da Sociedade Hípica e do Condomínio Chácara Hí­pica. Sou o sócio número 8”, conta, iniciando a conversa fazendo referência a ser um dos moradores mais antigos do local. Segundo ele, o outro sócio vivo é o advogado Valdo Silveira Júnior, cujo pai foi o fundador do clube.

Nascido em Bebedouro e criado em Matão, Rivaldo mu­dou-se para Ribeirão Preto em 1955 a convite do empresário Elpídio Marchesi. “Vim para trabalhar como contador, de­pois me tornei administrador de empresas”, lembra.

Vagões de trem
Na chácara onde mora, Ri­valdo reserva uma particula­ridade. Ele tem três vagões de trem no quintal. Por quê? Nem ele sabe. “Nunca pensei em ca­valo e entrei no hipismo. Nunca pensei em ter vagão, mas tenho. Vi que havia um leilão de va­gões e arrematei quatro vagões [um ele se desfez], todos do­cumentados. Isso aconteceu… sei lá, do nada. Pensei, vou comprar quatro vagões”, brin­ca sobre a aquisição em 1970.

Inusitado: vagões de trem reformados no quintal de casa
Interior de um dos vagões: local onde a família se reúne com frequência

Os vagões foram reforma­dos minuciosamente. Tornou­-se um hobby para ele. Os três estão posicionados estrategica­mente no quintal e foram ocu­pados como moradia para um dos filhos. Neles há outros ob­jetos, hoje utilizados como de­coração, que fazem referência ao período em que o transporte por ferrovias era o mais utiliza­do no Brasil. Rivaldo diz que a família sempre se reúne para conversas dentro dos vagões. “As crianças amam”.

Essa é uma das histórias que constam no livro, escrito em apenas três meses. “Pensei em escrever um romance, mas per­cebi que eu não tinha capacida­de, apesar da palavra ser o meu forte e ter uma cultura razoável. Desisti”, confidencia. O projeto foi reestabelecido com o apoio da nora, a artista plástica He­loisa Junqueira. “Foi ela que me estimulou, me incentivou e me patrocinou a escrever minhas memórias”, acrescenta.

Além da história de como começou com a paixão pelos vagões, Rivaldo fala um pouco de sua carreira profissional, em que além de contador e adminis­trador, atuou na área de marke­ting em grandes empresas.

“Tem um que considero um verdadeiro diploma”, afirma. A história refere-se à venda de produtos da Dabi Atlante a uma empresa chilena, vencendo ou­tros concorrentes da América Latina. “Eles mandaram repre­sentantes e eu os acompanhei durante toda a semana. Mostrei tudo a eles. Na hora de irem embora eu, no aeroporto, pe­guei um envelope e o coloquei no bolso do chefe da delegação. Eu havia escrito um laudo da vi­sita, em primeira pessoa. Disse a ele que ele poderia ler, mas se não fosse de bom uso que po­deria jogar fora. Era como se ele estivesse fazendo uma defesa da compra dos equipamentos. No final, eles utilizaram o rela­tório da maneira que eu escrevi e o negócio foi firmado”, conta.

Rivaldo também relata como conseguiu proporcionar a fusão das empresas Dabi, de Ribeirão Preto, com a Atlante, com sede na capital paulista. A Atlante detinha 60% do merca­do e a Dabi em torno de 30%.

Apesar de sua habilidade em negociar, o aposentado diz que nunca conseguiu sucesso como empresário. “Eu, aos 40 anos, queria me matar. Pensa­va que estaria aposentado, mas nunca consegui prosperar com meus negócios. Eu não tinha capacidade de correr riscos, mas consegui fazer com que os negócios de outras pessoas se tornassem sucesso”.

Amor e poemas
Na casa onde reside Rival­do guarda muitas peças que servem como decoração. Ele mostra uma caixa de madeira maciça e pesada. “Essa caixa era usada nos trens. Colocavam-se correspondência em uma esta­ção e ela era aberta em outra, e assim sucessivamente. Foi o precursor do e-mail”, brinca. “Esse lampião foi feito em Bir­mingham, na Inglaterra. Ele era usado nas estações também.

No livro e na parede, homenagem à esposa Neide, que faleceu há seis anos


Se você virar de um lado emite um sinal luminoso verde, do outro vermelho. Era para mostrar ao maquinista se ele poderia ou não avançar com o trem”, expli­ca sobre o artefato histórico.

Além dos objetos, é possível ver frases aleatórias escritas em uma parede de vidro, que se­para a varanda da sala. “O que faço da vida sem você”, diz uma. “Eu escrevo em homenagem à minha esposa que me deixou há seis anos. Sempre escrevo alguma frase”, diz emocionado.

No livro, Rivaldo traz poe­mas e algumas homenagens à esposa Neide. “Foram setenta anos de convívio. Sinto muita falta”, lamenta.

Ao comentar sobre sua saú­de e lucidez, o aposentado, aos 92 anos, diz que ama a vida. “Não tem segredo. Eu amo vi­ver. Não quero morrer. Se a morte aparecer ela vai ter que lutar muito pra me levar. Daqui não saio”, se despede, em meio a boas risadas.

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