Por Luiz Carlos Merten
Leandro Hassum começa a gravar em maio sua participação na nova Escolinha do Professor Raimundo. Está um tantinho preocupado. “Quando me convidaram, já faz um tempo, disse que só faria o personagem do Costinha. O tempo passou, não se falou mais no assunto, pensei que o caso estava encerrado, mas aí alguém teve a ideia de me convidar para fazer o Mazarito e eu gravo em maio.” E por que a preocupação? “Costinha era o mais desbocado comediante da sua geração. Eram a Dercy (Gonçalves) e ele. Costinha agradava às famílias, mas o humor dele era muito preconceituoso contra gays. O público morria de rir. Como é que eu vou falar as coisas que ele dizia hoje em dia? Vão me trucidar como incorreto.”
Mas o desafio está lançado e ele já começa a pensar na caracterização. Mesmo quando o figurino, a maquiagem não aproximam os novos alunos dos antigos, há um clima, e uma homenagem, que a Escolinha, com Bruno Mazzeo à frente, vem fazendo lindamente. E Hassum só pode pensar no personagem porque perdeu (muito) peso. Rir de gordo é fácil. A nova fase tem exigido mais elaboração. Hassum deixou seu refúgio na Flórida – em Orlando – e veio a São Paulo para lançar o novo filme, Chorar de Rir. A assessora diz que ele está pronto para a entrevista. Onde?
“Aqui, po…” Sem brincadeira – Hassum está do lado do repórter, que não o reconheceu. Magro, loiro, brinquinho. “O cabelo é ideia da minha filha”, conta. Como ele mantém a linha? “Dieta, muito exercício.” E compensa? “O sexo está melhor”, confessa. “No cinema tenho feito coisas para as quais, com certeza, ninguém me chamaria – o Teodoro de Dona Flor, a versão com Juliana Paes.”
E Chorar de Rir? “A ideia não foi minha, mas entrei de cara.” Toniko Melo, o diretor de VIPs, com Wagner Moura, sentiu o drama de Hassum. Como rei da comédia, ele sempre viveu às turras com a crítica. Ingrid Guimarães tem o mesmo problema, o próprio Paulo Gustavo, cuja caracterização como Dona Hermínia já é, em si, um tour de force, e isso antes mesmo que ele faça qualquer piada. Em Chorar de Rir, Hassum faz Nilo, um comediante no auge do sucesso. Seu programa de TV leva alegria às multidões, ele ganha o prêmio de melhor do ano, mas, justamente na premiação, sente-se relegado. O humor não conta, só o teatro ‘sério’ merece respeito. Até a ex, que ele nunca deixou de amar, agora integra o entourage do gênio de plantão, um diretor de teatro experimental, com um discurso metido a besta. Ali, no meio da premiação, Nilo tem o insight de mudar tudo. Em pleno programa, no ar, despede-se. Vai fazer Hamlet, e até contrata o gênio. Até que ponto o personagem é o próprio Hassum? “Essa briga com os críticos não é minha, é de todos os comediantes, mesmo os maiores. (Charles) Chaplin só ganhou um prêmio da Academia quando estava velho, Jerry Lewis só foi reconhecido como gênio na França.”
Justamente, Jerry Lewis. O ídolo de Hassum. Jerry nunca teve medo de se desdobrar em múltiplos personagens, de ‘interpretar’. “O roteiro do Toniko (Melo) me permitia isso. Homenageio o Jerry (O Professor Aloprado), tenho cenas de comédia rasgada, melodrama, terror. E eu me soltava. Isso só é possível quando há uma relação de confiança com o diretor. Confiei no Toniko. Ele me estimulava, até nas caretas, e depois íamos ajustando.”
“O humor é muito uma questão de timing. Perdeu o tempo, perdeu a piada. A gente tem uma relação particular com o público. Fiz a cirurgia de emagrecimento por uma questão de saúde, mas, na medida em que mudei a aparência, mudou o humor. Mudou tudo. Se eu, com meus 65 quilos a mais, chegava no balcão do aeroporto e dizia que não estava achando o RG, o atendente caía na risada. Se pedia um cafezinho na padaria, o funcionário estourava de rir É muito louco isso. O humor já está no olhar de quem vê, no olhar que lançam sobre você.” Hamlet, To be or not to be. O grande questionamento existencial da arte do Ocidente. As coisas começam a dar errado para Nilo na sua fase séria. O problema é um feitiço. Entra o Bruxo, ora quem? Sidney Magal.
Hassum ousa. Seus últimos filmes têm oscilado na bilheteria. Não Se Aceitam Devoluções fez 190 mil espectadores, O Candidato Honesto 2, 600 mil. É pouco para quem batia nos 3 ou 4 milhões. Chegaram a sugerir – alguns críticos? Desafetos? – que ele não era mais engraçado. Hassum muda, seu público se adapta. Chorar de Rir pode ter desequilíbrios, mas é seu melhor filme pós-cirurgia. Levanta questões interessantes sobre a arte do ator, e o que significa representar. Ponto para o diretor. Hassum reflete – “Já vivi esses questionamentos. Todo palhaço é triste e usa aquela máscara para transformar em alegria a dor que muitas vezes sente.” Com outras palavras, Hassum está repetindo Fernando Pessoa “O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente que finge ser dor a dor que sente de verdade.” Quando começarem a rolar os créditos, permaneça firme. Ainda vêm algumas das cenas mais engraçadas. Na onda do herói, que quis ser levado a sério, outros comediantes também vão para o palco, fazer Hamlet. Fábio Porchat, Ingrid Guimarães. Ela bate boca com o diretor. Traz para a cena a discussão sobre gênero. Só por ser mulher não pode questionar(-se) – ser ou não ser?
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.