O nome dele é Antônio Carlos de Oliveira. Mas, no meio do judô e do esporte em geral, ele é conhecido apenas como Kiko. Considerado por muita gente como um dos técnicos esportivos mais vitoriosos da história do Brasil, e por um número ainda maior de pessoas o técnico mais vencedor do Rio Grande do Sul. É um nome que se confunde com a história do judô. Hoje, com 52 anos, começou como atleta ainda criança. Chegou a competir, mas, logo aos 20 anos, começou a treinar as categorias de base da Sogipa (tradicional clube esportivo e social de Porto Alegre, Rio Grande do Sul).
Já são mais de 30 anos de trajetória pela qual passaram muitos dos maiores nomes do judô brasileiro, como João Derly, Mayra Aguiar e Tiago Camilo. A Agência Brasil conversou com o técnico sobre vários assuntos: o momento do esporte no país, Jogos Olímpicos e sua trajetória.
Agência Brasil: Enquanto praticamente todo o Brasil segue parado pela pandemia, vocês já retornaram os treinos em Porto Alegre. Como estão os primeiros dias de atividades?
Kiko: Retomamos muito devagar as atividades aqui no clube no início do mês. No Rio Grande do Sul, a pandemia é preocupante, é séria. Mas está relativamente sob controle. Após o decreto do governador (Eduardo Leite) e do prefeito (Nelson Marchezan Júnior) de flexibilização de algumas atividades físicas, nós voltamos apenas com a parte física. O clube social não está aberto para os sócios. Os treinamentos são em grupos separados. Seguimos as orientações médicas e sanitárias. E seguimos trabalhando com bastante calma, sem muita preocupação de desempenho. Não temos ainda nenhuma indicação no nosso calendário sobre o retorno das competições. Na verdade, o que estamos fazendo é recuperar as perdas físicas que os atletas tiveram.
Agência Brasil: Parece que nesse ciclo olímpico a equipe masculina passa por um período de instabilidade maior do que a feminina. Você concorda?
Kiko: Com certeza! A equipe feminina vem de um processo de maior experiência. Ela tem no seu alicerce a Mayra (Mayra Aguiar, bicampeã mundial e dona de dois bronzes olímpicos), a Rafaela, quando não estava suspensa (Rafaela Silva, campeã olímpica e mundial, que está suspensa por dois anos desde agosto de 2019, quando testou positivo em um exame antidoping), a Maria Suelen (Maria Suelen Altheman, com duas pratas em Mundiais, nas disputas individuais, e uma prata nas equipes mistas), a Ketleyn Quadros (dona da primeira medalha olímpica feminina do Brasil no judô, um bronze em 2008) e a Maria Portela (com um bronze e uma prata em Mundiais por equipes mistas). É uma equipe mais rodada, né? E bastante maturada. Mas, também tem atletas bastante novas entrando, como a Larissa (Larissa Pimenta, 21 anos, campeã dos Jogos e do Campeonato Pan-Americano) e a Alexia (Alexia Castilhos, 25 anos, bronze nos Jogos Pan-Americanos). Já no masculino o atleta precisa estar um pouco mais maduro e experiente para começar a colher os resultados. O Daniel Cargnin (22 anos e campeão do Campeonato Pan-Americano Sênior e quinto no Mundial Sênior) e o Rafael Macedo (25 anos e bronze no Mundial Sênior nas equipes mistas) são caras com muito potencial, mas, para ter resultados no sênior, ainda precisam de um pouco mais de maturidade.
Agência Brasil: No final do ano passado, a equipe verde e amarela passou em branco no World Masters da China. Esse tipo de resultado preocupa?
Kiko: O nível mundial do judô está muito elevado. Nos acostumamos mal com o judô brasileiro. Tivemos várias medalhas em Mundiais e Jogos Olímpicos. Mas, quando a equipe não vai completa e não está priorizando determinada competição, não é fácil ganhar uma medalha em um torneio como esse. Se fizermos uma conta de medalhas em Grand Slams, os mesmos acabam se repetindo no pódio. É tão competitivo que você pode ver. Na Rio 2016, as maiores esperanças de medalha eram Mayra Aguiar, Rafaela Silva e o Baby (Rafael Silva). E talvez agora, passados quatro anos, os nomes dos favoritos sejam os mesmos. Isso, é claro, se a Rafaela for liberada do doping. Então, não é fácil chegar e se manter entre os melhores.
Agência Brasil: No começo de 2018, houve uma mudança no comando técnico da seleção brasileira masculina. O Fúlvio Miyata foi para o Minas Tênis Clube e deu lugar a Yuko Fujii. Como você viu essa mudança? Você chegou a ser procurado pela Confederação Brasileira de Judô?
Kiko: O Yuko já fazia parte da comissão (desde 2013, ele assessorava diversas categorias da seleção brasileira e acompanhou a preparação da equipe antes dos Jogos do Rio). Nunca fui convidado diretamente. Na verdade, nunca tive essa ambição. Quero, sim, contribuir com o judô brasileiro. E tenho certeza que contribuo bastante. E quero manter também o espaço para dar as minhas sugestões, que é o que acontece também. Pode até acontecer isso algum dia. Mas não é uma ambição. Tenho viajado bastante, com a seleção inclusive.
Agência Brasil: Recentemente, em uma live, o Ney Wilson, gestor do alto rendimento da Confederação Brasileira de judô, evitou fazer uma projeção de medalhas para Tóquio. Mas disse que quer pelo menos uma medalha para manter a escrita que vem desde 1984 (com a modalidade trazendo pelo menos uma medalha a cada Olimpíada). Ele disse que é um pouco cedo para projetar, mas falou que, para ganhar uma medalha, o Brasil precisa chegar bem em três ou quatro categorias. Você concorda?
Kiko: Quanto mais atletas tivermos entre os cinco primeiros do ranking mundial, maiores serão as chances. Mas aposto também em uma coisa que acredito que o Ney não tenha falado. Nós sempre temos uma surpresa em Jogos Olímpicos. Em 2012, a grande surpresa foi o Kitadai (Felipe Kitadai, medalha de bronze). Ninguém esperava que ele fosse ser medalhista. Em 2016, na minha opinião, a surpresa foi o ouro da Rafaela Silva. Era uma medalha esperada, mas o ouro não era tão fácil de ser conquistado.
Agência Brasil: E falando especificamente do trabalho do senhor à frente da equipe da Sogipa. São mais de 30 anos com uma coleção invejável de conquistas. Qual o momento mais especial?
Kiko: A Sogipa, nos últimos 20 anos, conquistou quatro medalhas olímpicas, 11 medalhas em mundiais sênior e dez medalhas em mundiais sub-21 e 12 medalhas em Pan-Americanos. Acho que o momento mais especial foi em 2005, no Egito, quando o João Derly se tornou o primeiro brasileiro campeão mundial sênior. Ele venceu o bicampeão olímpico Masato Uchishiba. Ali foi o principal momento. Na época o nosso judô era muito amador, um judô no qual não havia recursos, que eu tinha que ser psicólogo, preparador físico, tudo para o João Derly. Depois conseguimos vários apoiadores e patrocinadores que estão com a gente há 15 anos. Depois, logo em seguida, o João Derly foi bicampeão mundial no Rio de Janeiro em 2007.
Agência Brasil: Pelo ranking atual, o Brasil tem atletas postulantes a ser classificar em todas as categorias de peso. Quantos deles são da equipe da Sogipa?
Kiko: A Mayra é atleta do clube e está praticamente classificada. A Maria Portela deve se classificar sem problemas. Na categoria até 63 kg temos uma disputada interna. A Ketleyn Quadros (décima do ranking) e a Alexia Castilho (décima oitava) brigam pela única vaga nesse peso. No masculino, temos o Rafael Macedo e o Rafael Cargnin praticamente dentro dos Jogos. A Sogipa tem ainda o Leonardo Gonçalves disputando vaga com o Rafael Buzacarini (décimo segundo). E temos o David Lima. Está um pouco mais distante, mas é o desafio do país para classificar para essa categoria. O Felipe Kitadai ainda tem chances também.
Edição: Fábio Lisboa