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Kiko Calil e a camiseta do Roberto Carlos

Passei pela Jovem Guarda, nos anos de 1960, sob a batuta de Roberto Carlos. O cara era sucesso nacional, a juventude copiava tudo dele – botinha, cinturão, calça, calhambeque…

Lembro-me até de seu anel “Brucutu” que era feito de uma pecinha que havia no Fusca, de onde saia água para espirrar no para-brisa. Bastava uma solda com uma argola e pronto, ficava igual ao do Rei. O único que não gostava era o dono do Fusca (rsrsrs).

Do violão para a guitarra foi um pulo, e lá estava eu com meu con­junto “The Jetsons” tocando por esse Brasil todo e com muitos artistas da época. O mais famoso foi Nilton Cesar, que emplacou vários sucessos como “Professor apaixonado” e “Férias na Índia”. Porém, tem uma que toca até hoje, “A namorada que sonhei”. Começa assim: “Receba as flores que lhe dou, e em casa flor um beijo meu, são flores lindas que lhe dou, rosas vermelhas com amor, amor que por você nasceu…”.

Da Jovem Guarda restaram inesquecíveis lembranças. Fui realizar outro sonho, ser policial rodoviário. Em 1972, eu patrulhava a Via Anhanguera, entre Campinas e São Paulo – a Bandeirantes ainda estava em construção. Minha equipe parava muitos artistas e levava aquele sambarilove com eles. Nunca deixei a música, tanto que quando meus filhos nasceram montei um repertório de primeira e passei a dividir meu tempo entre estradas e palcos.

Certa noite, estava na estrada e recebi a missão de escoltar meu ídolo Roberto Carlos do aeroporto de Ribeirão Preto até Sertãozinho. Ele ia can­tar no Ginásio Docão. Do jatinho desceram ele e Miriam Rios, sua esposa na época. Era comecinho da noite e eles entraram num reluzente Galaxie azul, que naquele tempo era top de linha. Quem dirigia essa máquina era o saudoso empresário Kiko Calil, dono da rede de lojas “A Modelar”.

Ele era muito querido na cidade, e no trajeto até Sertãozinho eu nem acreditava que estava ali, abrindo caminho para meu ídolo. Nem tentei conversar com ele, e na volta não foi diferente. O Rei já subindo as escadas do jatinho agradeceu-me pelo trabalho, deu um aceno geral pra galera e se mandou. Missão cumprida, voltei para a estrada para terminar meu turno. Estava que não cabia em mim de felicidade, louco para amanhecer o dia pra contar essa história em casa.

A vida seguiu com Kiko Calil sempre trazendo artistas pra Ribeirão e região. Lembro-me que, além de Roberto Carlos, ele empresariava Toquinho e Vínícius, Miele e Pelé, entre outros. Eu levando minha vida, certa noite estava cantando lá no Templo da Cidadania e no público estava Kiko Calil, que num intervalo veio conversar. Depois cantou co­migo algumas músicas do Roberto e passamos parte da noite num papo pra lá de agradável. Foi quando lhe disse que era eu o guarda rodoviário que escoltou o carro dele naquela noite até Sertãozinho. Demos um forte abraço, emocionados.

Ele me disse: “Buenão, vou te contar o que aconteceu naquela noite. Chegamos ao camarim e o Rei perguntou-me: ‘Kiko, cadê meu uísque?’ Quase cai duro, Buenão, esqueci o uísque do homem em casa e ele só tomava aquela marca. Disse a ele: ‘Guenta ai’. Voei pra Ribeirão e voltei em tempo recorde, Buenão, ele estava muito feliz. Depois de uns tragos, esquentou o gogó e deu um show de primeira, como sempre, e depois como você viu, eles voaram para o Rio de Janeiro”.

E seguiu: “Por volta de mais ou menos uma da manhã, meu telefone toca, era Roberto já em sua casa, no Rio. Apavorado, ele disse: ‘Kiko, me faça um favor, amigo, esqueci no camarim uma camiseta branca que uso por baixo, ela está surrada e me acompanha nos shows faz muitos anos, pra mim é uma espécie de amuleto, me passa muita energia’”.

E lá foi o Galaxie azul outra vez pra Sertãozinho. Kiko chegou ao Docão, as mulheres estavam acabando a limpeza no camarim do Rei, elas não deram a mínima para aquela camiseta suada que estava jogada num canto sobre a mesa. Kiko respirou aliviado, pegou o amuleto do Rei, mostrou pra elas e falou: “Vim de Ribeirão aqui só pra buscar esta camiseta que Roberto Carlos usa nos shows”. Uma delas disse: “Ah! Se a gente soubesse que era dele, dividiríamos um pedacinho pra cada uma”. Todos caíram na risada. Kiko chegou em casa e tranquilizou o amigo que não sabia como lhe agradecer. “Amigo é pra essas coisas”, disse Kiko. “Tô aqui sempre, parceiro”.

Sexta conto mais.

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