O prêmio póstumo ao ator Andrade Júnior (1945-2019) foi o momento de maior emoção na cerimônia de premiação do 48º Festival de Gramado. Andrade, que morreu no ano passado sem ver seu trabalho concluído na tela, é o protagonista do filme vencedor, “King Kong en Asunción”, do pernambucano Camilo Cavalcante. Além dos Kikitos de melhor filme e ator, o longa levou o troféu de melhor trilha sonora, para Shaman Herrera. Ganhou também o júri popular.
Dar a vitória a “King Kong” foi uma decisão sábia do júri. Premia um road movie lindíssimo, em trânsito entre Paraguai e Bolívia. Tem Andrade no papel do matador de aluguel aposentado em busca de uma filha desconhecida. Filme para ver e rever – e curtir em detalhes, como algumas cenas de antologia e a estranha narração de uma entidade em língua guarani.
O júri decidiu premiar a ousadia ao dar ao cineasta Ruy Guerra o troféu de melhor diretor por seu “Aos Pedaços” (RJ), o título mais experimental de toda a programação. O longa, com grande personalidade cinematográfica, estuda o tema do duplo, e levou também os troféus de melhor fotografia (Pablo Baião) e som (Bernardo Uzeda).
Foi de Ruy Guerra, de 89 anos, o mais contundente discurso de agradecimento. Falou do “ar pútrido” do Brasil contemporâneo e da importância das artes, cinema incluído, em dar às pessoas oportunidade de respiro, inteligência e sensibilidade em momento histórico tão ingrato.
O Brasil, com seus desvarios históricos, suas raízes coloniais e escravocratas, é tema de dois outros longas premiados. “Um Animal Amarelo” (RJ), de Felipe Bragança, levou os prêmios de melhor atriz (Isabél Zuaa), roteiro (Felipe Bragança e João Nicolau), direção de arte (Dina Salem Levy), e uma menção honrosa para o ator Higor Campagnaro. Além dos troféus oficiais, ganhou o prêmio da crítica.
“Todos os Mortos” (SP), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, levou os troféus de melhor atriz coadjuvante (Alaíde Costa), ator coadjuvante (Thomás Aquino) e trilha sonora (Salloma Salomão). São ambos – “Um Animal Amarelo” e “Todos os Mortos” – filmes de ideias, reflexões cinematográficas fundamentais para um tempo que, gostem os governantes ou não, coloca na pauta discussões como o racismo estrutural e a tradição autoritária do País.
A arte dá sua contribuição para pensarmos como e por que chegamos à distópica situação atual. Completam a lista de premiados o documentário sobre Sidney Magal “Me Chama que eu Vou” (SP) com o troféu de melhor montagem (Eduardo Gripa), e o drama brasiliense sobre problemas psicológicos “Por que Você Não Chora” (DF) com uma menção honrosa para a atriz Elisa Lucinda.
Numa mostra latina equilibrada, o prêmio principal ficou com o colombiano “La Frontera”, de David David, que levou ainda os troféus de melhor atriz (dividido entre Dajlin Vega Moreno e Sheila Monterola) e roteiro, do próprio diretor. Também entre os latinos, foi bem premiado o inventivo documentário “El Gran Viaje al País Pequeño” (Uruguai) com os troféus de melhor direção (Mariana Viñoles), Prêmio Especial do Júri, júri popular e prêmio de crítica.
O talentoso “O Barco e o Rio” (AM), de Bernardo Ale Abinader, ganhou as estatuetas de melhor curta, direção, fotografia, direção de arte e júri popular. O documentário “Portuñol”, de Thais Fernandes, venceu como melhor longa gaúcho.
Neste ano excepcional de pandemia, Gramado saiu-se bem com sua fórmula mista de festival não presencial: transmissão por TV (Canal Brasil) da sua programação principal, presença de parte dos concorrentes no streaming, debates e outras atividades através de lives pelas mídias digitais. Com esse expediente, e boa seleção de filmes, pôde se reinventar. Salvou a edição de 2020, à espera de uma nova normalidade que ninguém sabe como será nem quando virá.