Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
O juiz Adriano de Oliveira França, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, suspendeu a nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra como presidente do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). O magistrado acolheu a pedido em ação popular, e entendeu que Larissa, mulher de um ex-segurança do presidente Jair Bolsonaro, não possui formação e a experiência profissional compatíveis com a finalidade determinada por lei para o instituto – a promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro. Larissa é graduada em Turismo e Hotelaria e cursa uma especialização na área de gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva.
“Embora pareça notório a este órgão jurisdicional que a promoção e proteção do patrimônio cultural não se enquadra dentro da expertise dos igualmente relevantes profissionais formados em turismo e hotelaria, como a primeira ré – podendo por vezes até haver contraposição de interesses – em breve busca de informação na internet constata-se que todos os ex-Presidentes do IPHAN, pelo menos de 1988, não se formaram em turismo e hotelaria, mas sim em história, arquitetura ou antropologia. Estes ramos da ciência mais se coadunam com os componentes descritos nos incisos do art. 216 da Constituição, o que corrobora para identificação de incompatibilidade da nomeada para o cargo de presidente do IPHAN”, escreveu o juiz.
A decisão foi dada no âmbito de uma ação popular apresentada pelo deputado federal Marcelo Calero, que argumentava que a nomeação de Larissa afrontava os princípios da legalidade e da eficiência da atividade administrativa, bem como desvio de finalidade, uma vez que ela não possuiria diversos requisitos preestabelecidos para o cargo.
O Ministério Público Federal também chegou a entrar na Justiça contra a nomeação de Larissa e deu parecer favorável à suspensão no âmbito da ação apresentada por Calero. Segundo a Procuradoria, Larissa Rodrigues Peixoto Dutra é graduada em Turismo e Hotelaria pelo Centro Universitário do Triângulo, e cursa atualmente pós-graduação lato sensu, um “MBA Executivo em gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva” na Faculdade Unileya.
Intimada, a União defendeu a legalidade da nomeação de Larissa, argumentando que ela pertence aos quadros do Ministério do Turismo há 11 anos. Antes de assumir a presidência do Iphan, Larissa era Diretora do Departamento de Desenvolvimento Produtivo da Secretaria Nacional de Integração Interinstitucional, do Ministério do Turismo.
Ao analisar o caso, França viu provável violação do artigo 2º do Decreto nº 9727/2019 que estabelece a necessidade de perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou função. Segundo o magistrado, mesmo com o remanejamento do órgão do Ministério da Cultura (extinto) para o Ministério do Turismo, o Iphan continua com a finalidade de proteção e promoção dos bens culturais do país, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras.
O juiz apontou que Larissa “possui robusto curriculum e experiência profissional, além de ser servidora concursada”, mas não atende à adequação exigida pelo artigo 2º do Decreto nº 9727/2019, não apresentando perfil e formação compatíveis com a finalidade determinada por lei para o Iphan.
Reunião Ministerial
As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre o Iphan que foram registradas no vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril foram citadas pelo deputado Marcelo Calero na ação popular e assim analisadas por França. O MPF também lembrou das falas quando acionou a Justiça.
“Eu fiz a cagada em escolher, não escolher uma pessoa que tivesse também outro perfil. É uma excelente pessoa que tá lá, tá? Mas tinha que ter um outro perfil também. O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder”, disse Bolsonaro durante a reunião.
Menos de 20 dias depois a nomeação de Larissa foi publicada no Diário Oficial da União, no dia 11 de maio, em portaria assinada pelo ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto. O cargo estava vago desde a passagem relâmpago da arquiteta Luciana Rocha Feres, em 2019. Sua nomeação foi feita em 11 de dezembro e cancelada no dia seguinte pelo então secretário especial da Cultura Roberto Alvim.
Antes de Luciana, quem comandava a autarquia, desde 2016, era Kátia Bogéa. Ela foi demitida da direção do órgão depois de o empresário Luciano Hang, amigo e doador da campanha eleitoral de Bolsonaro, reclamar no Twitter, em 7 de agosto de 2019, que o Iphan teria embargado a obra de uma loja sua.
Ao lembrar da fala de do presidente na reunião ministerial, Calero argumentou que a declaração do presidente corroborava o desvio de finalidade na indicação de Larissa à Presidência do Iphan.
Ao analisar a questão, França afastou a alegação sob o entendimento de que o “teor da conversa não era claro no sentido de que a nomeação foi realizada para atender a interesses privados”.
“Ademais, eventual desvio de finalidade dessa projeção, poderia justificar a instauração de investigação criminal para apurar eventual crime de corrupção ativa, corrupção passiva, advocacia administrativa entre outros, o que justificaria até mesmo a suspensão do atual processo de natureza cível até a resolução da pertinente ação penal que por envolver as autoridades mencionadas, teria competência originária no Supremo Tribunal Federal”, escreveu o juiz.
A ação do presidente Jair Bolsonaro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, interferindo na direção do órgão, será analisada pela Procuradoria-Geral da República.