A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deu provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, condenando solidariamente duas empresas ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais aos filhos e esposa de um trabalhador que morreu enquanto cortava cana-de-açúcar na cidade de Barrinha, a 35 km de Ribeirão Preto. Apesar de a morte ter decorrido de causas naturais, os ministros aplicaram a responsabilidade objetiva aos empregadores em razão da atividade de risco inerente ao corte de cana.
“O reconhecimento da atividade de risco impõe que o empregador seja responsabilizado pelo simples fato de se verificar o nexo causal entre os danos sofridos e o labor durante o exercício da atividade perigosa”, destacou a relatora do processo, ministra Maria Helena Mallmann.
A Justiça do Trabalho de Campinas havia julgado improcedente o pedido de responsabilidade civil das empresas pela morte do trabalhador de 55 anos, que foi encontrado morto em 26 de julho de 2010, por volta das 17h, pelo tratorista que o deixou em local afastado cerca de três quilômetros do alojamento dos empregados, para realizar, sozinho, atividade de corte de cana. Segundo a certidão de óbito, o incidente fatal teria ocorrido por volta das 14h, menos de uma hora após ter sido deixado no local de trabalho. A certidão atestou que a causa da morte foi natural, ocorrida sem assistência médica, decorrente de miocardiopatia dilatada e gordura visceral volumosa.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) concluiu que a causa do óbito não foi decorrente da prestação de serviços ou da conduta do empregador. O procurador regional do Trabalho, e atual procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Campinas, Dimas Moreira da Silva, recorreu ao TST pugnando pela aplicação da responsabilidade objetiva do empregador, devido aos riscos da atividade de corte de cana-de-açúcar. A Segunda Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso.
Segundo a relatora, o artigo 927 do Código Civil contempla, por exceção, a responsabilidade empresarial por danos acidentários em face do risco decorrente da atividade desenvolvida. O TST já sedimentou o entendimento que a atividade desenvolvida no corte de cana-de-açúcar constitui atividade de risco.
Os ministros concluíram que houve “ação omissiva das rés, ao impossibilitarem que o ex-empregado recebesse ou ao menos pudesse solicitar assistência médica”. Segundo a ministra relatora, o caso se enquadra na hipótese de fato “fortuito interno”, pois o cortador de cana morreu no seu ambiente de trabalho, com o facão na mão, após ser deixado à deriva, sozinho e em local ermo, sem assistência médica, em total desprezo à dignidade da pessoa humana, realizando atividade que é reconhecidamente exaustiva, sem possibilidade de pedir ajuda. “Considerando que não houve fato fortuito externo, permanece a responsabilidade objetiva da empresa”, concluiu a ministra.
Maria Helena Mallmann explicou que apenas a “ocorrência completamente imprevisível e inevitável” é capaz de eliminar o nexo de causalidade e excluir responsabilidade civil do empregador. “O que não resta configurado na hipótese dos autos, uma vez que o risco cardiorrespiratório é inerente à própria atividade de corte de cana”, ponderou. A relatora pontuou, ainda, que o empregador tem a obrigação de tornar efetivas as medidas de segurança, higiene e saúde do trabalhador, visando à diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, bem como a minimização dos impactos e efeitos nas condições de trabalho prestado em áreas isoladas, conforme disposto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal e na Norma Regulamentadora nº 31.
Indenização
A indenização por danos morais, no valor de R$ 100 mil, será paga à viúva e aos filhos do trabalhador. Já a indenização por dano material será paga na forma de pensão mensal à viúva – única dependente financeira na data do óbito -, no valor de 2/3 da última remuneração do trabalhador (com a inclusão do 13º salário), até a data em que ele completaria 80,2 anos de idade.
O processo está sendo acompanhado na Coordenadoria de Recursos Judiciais (CRJ) da Procuradoria Geral do Trabalho (PGT), pelo subprocurador-geral Manoel Jorge e Silva Neto.