A ação popular que a advogada Tais Roxo da Fonseca e o professor Sandro Cunha dos Santos, ambos ligados ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), apresentaram na Justiça na tentativa de derrubar os efeitos de uma lei já revogada, que deu origem aos “supersalários” da Câmara de Ribeirão Preto, foi remetida pelo juiz Reginaldo Siqueira, da 1º Vara da Fazenda Pública, para o Ministério Público Estadual (MPE), sendo recebida pelo promotor Wanderley Trindade.
De acordo com a advogada Taís Roxo, o juiz vai aguardar o parecer do MPE antes de decidir sobre o pedido de liminar, que se for acolhido terá o efeito de acabar com o que os autores chamam de “aberração jurídica” e que só persiste em Ribeirão Preto – tanto na prefeitura quanto na Câmara, onde surgiu a chamada “incorporação inversa”.
A medida abriu brecha para os “supersalários” e permitiu a servidores aprovados em concursos com remuneração inferior a incorporação aos vencimentos do valor que recebiam quando ocupavam cargos em comissão. A manobra surgiu em 2012, quando o Legislativo era presidido pelo ex-vereador Cícero Gomes da Silva (MDB).
Em maio daquele ano, em um projeto de lei do Executivo que fazia algumas mudanças no Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), uma emenda incluída sem alarde (vereadores presentes naquela sessão garantem que nem ficaram sabendo) criou o que a advogada Tais Roxo da Fonseca chama de “aberração jurídica” – a lei complementar nº 2.515, de 2 de abril de 2012.
Em qualquer repartição pública, é praxe que um servidor efetivo, quando ocupa um cargo de chefia, ao retornar ao posto de origem, tenha o direito de incorporar ao salário parte do que recebia quando esteve na chefia. A Câmara inverteu essa lógica e acrescentou o termo “tenha exercido” ao “venha a exercer” um cargo em comissão.
Assim, dezenas de comissionados do Legislativo, a maioria apadrinhados de ex-vereadores, participaram de concursos públicos que tinham em comum a existência de vaga única, exigência de baixa escolaridade e salários de menos de R$ 2 mil para atrair o menor número de interessados.
“Isso não existe em nenhum município brasileiro. Fizemos uma extensa pesquisa e encontramos situação semelhante em dezenas de cidades, a maioria de Minas Gerais e de Santa Catarina”, conta a advogada Tais Roxo da Fonseca. “E em todos esses municípios as leis absurdas foram revogadas e quando ocorreu a revogação, cessaram todos os efeitos. Ou seja, a incorporação deixou de existir. Ribeirão Preto é a única cidade brasileira onde a aberração prossegue”, diz a advogada autora da ação.
Taís Roxo destaca que a “incorporação inversa” continua turbinando os salários de dezenas de servidores e “fere de morte” a Constituição Federal. “Fere os princípios da moralidade e da impessoabilidade na medida em que diferencia as pessoas, concede tratamento desigual a quem exerce uma mesma função. Por que uma telefonista que foi apadrinhada no passado ganha R$ 8 mil para exercer a mesma função, para trabalhar a mesma carga horária de colegas que ganham um terço desse valor?”, pergunta.
A advogada destaca que não existe a figura do direito adquirido quando se trata de uma lei inconstitucional. A ação popular pede a cessação dos efeitos nocivos da “incorporação inversa” ao patrimônio público, com pedido de liminar, e seu acolhimento pode reduzir os salários de servidores do Legislativo, do Executivo e aposentados. Taís Roxo revela que ela e o professor Sandro Cunha estão sofrendo intensa pressão por parte de servidores beneficiados com a incorporação inversa.
“Mas se eles acham que vamos recuar, estão muito enganados. Apenas no Legislativo essa aberração custa R$ 18 milhões aos cofres públicos, sem contar muitos outros milhões na prefeitura. Trata-se de dinheiro público, do mesmo caixa que falta dinheiro para comprar remédios, para tapar buracos, para contratar médicos. Vamos em frente, estamos convictos da inconstitucionalidade dessa incorporação e acreditamos que a Justiça ficará do lado da Constituição Federal”, diz Taís Roxo da Fonseca.