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Juntando alhos com bugalhos: a rima pode convencer

Um dos assuntos políticos mais recorrentes nos últimos dias é a possibilidade de Lula e Alckmin formarem uma chapa única nas pró­ximas eleições. Com projetos, histórias e personalidades tão díspares, isso tem provocado sobressaltos, de um lado, e euforia, de outro. Vou arriscar aqui uns pitacos nesse melê que não é nada digesto, mas que pode ser uma instigante discussão política. Li essa semana, no 247, um interessante artigo de Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociolo­gia e Política de São Paulo. Concordo com ele nas linhas gerais, mais como um observador e analista do cenário do que como militante de qualquer partido.

Independentemente de quem seja o seu vice, de antemão, sabemos que se Lula for eleito, ele terá que governar com uma coalizão que vai muito além da esquerda e da centro-esquerda. É a tão sonhada governabilidade. É o fami­gerado presidencialismo de coalizão. Só não percebe isso quem, de fato, não quer perceber. Hoje, essa vertente não passa de uns 150 deputados e uns 25 senadores. A eleição de Lula pode ampliar esses números. Mas é só lembrar e reconhecer: os governos petistas eram sustentados por uma coalizão de que tomavam parte os partidos do centrão. Até que um dia, a casa caiu…

Um futuro governo Lula não vai ser 100% diferente. Tende até a ser mais semelhante, pela conjuntura política em que nos metemos. Haja mala­barismo! O vice, nesse momento, cumpre um primeiro papel de sinalizador e fiador de uma aliança. Acredito que seja este o caso de Alckmin figurar como vice. Bobagem ficar tirando das pesquisas o que amplia ou o que reduza votação. Confesso, como Fornazieri, que meu sonho de consumo seria ver Boulos como vice de Lula. Mas sou obrigado, também, a concor­dar com ele que este desejo tem pouca relevância junto aos demais partidos e, pior, tem pouco a ver com a realidade política e eleitoral do momento.

Amplos setores da esquerda projetam como verdadeiro aquilo que, sem levar em conta a realidade, coincide com seus sonhos. Não que seja proibido ter sonhos, mas “é necessário submetê-los ao crivo da realidade, da pertinência, da ocasião, da razoabilidade e da viabilidade”, como escreveu Fornazieri. É óbvio ululante. A discussão precisa ser colocada no plano político e eleitoral. E tudo indica que as eleições se definirão num campo político e eleitoral de centro-direita. Lula já tem os votos da esquerda e é muito difícil ampliar desse lado. Precisa ampliar rumo ao centro e terá que buscar composições nesse campo.

Tenho dúvidas se Alckmin é o melhor nome que se encaixa nesse figurino, mas se há atores importantes embarcados nessa canoa, esse ponto precisa ser discutido. Nesse debate, é conveniente evitar algumas coisas: não se deve nem acrescentar e nem diminuir defeitos e virtudes do ex-governador, pois ele é um político de conduta e de modo de proceder conhecidos. É improdutivo, ainda, sacar o argumento de que o ex-governador integrou o PSDB com todas as mazelas que isso possa significar e, de fato, significa, pois o PT, como eu escrevi aqui, já fez alianças piores com os partidos do centrão – até Maluf já entrou no balaio!

A grande questão que se coloca, e precisamos encará-la de frente, é uma possível descaracterização política e ideológica do PT se juntando a Alckmin. Mas o PT nunca foi só cadeiras no Parlamento e cargos no Executivo. Está aí a diferencial do partido. Além disso, um possível governo Lula enfrentaria enormes desafios: a reconstrução do país destruído pelo bolsonarismo, a fome e o desemprego, reformas progressistas para reduzir as desigualdades, combate à sonegação, corrupção e privilégios e o início de um novo modelo de desenvolvimento sob a batuta da revolução ambiental. Tudo isso entra na discussão de um programa comum.

Nesse sentido, os avanços de um novo governo Lula dependeriam menos dos partidos e do Congresso e mais da organização autônoma dos movimentos sociais e de sua capacidade de mobilização. E concluo, citando novamente For­nazieri: “Não existirão avanços significativos se os movimentos sociais e os setores excluídos não se organizarem e não lutarem por suas pautas e reivindicações. A organização e as lutas populares precisam ser o contraponto às pressões conservadoras das elites predatórias e no Congresso. Organização autônoma, pressão e mobilização, esta é a lição que os movimentos sociais precisam extrair dos limites dos governos do PT.”

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