José Mojica Marins, o Zé do Caixão, morreu nesta quarta-feira, 19 de fevereiro, aos 83 anos. O artista teve complicação devido a uma broncopneumonia, informação foi confirmada pela filha Liz Marins. Ele dirigiu 40 produções e atuou em mais de 50 filmes.
Marins nasceu em São Paulo, em 13 de março de 1936. Os pais, de origem espanhola, eram artistas de circo. Sempre adorou gibis e filmes. O pai chegou a ser gerente de cinema, o que permitiu ao garoto desenvolver o imaginário no escurinho do cinema. Aos 12 anos, ganhou uma câmera. Nunca mais parou de filmar.
Alguns de seus filmes artesanais chegaram a ser exibidos para plateias pagantes, o que cobria os gastos de “produção”. Aos 17 anos, fundou a Companhia Cinematográfica Atlas. Recrutando atores que testava com insetos e outros bichos, descobriu que sua vocação estava no terror escatológico.
Um dos principais roteiristas de Zé do Caixão é da região. Rubens Francisco Luchetti, de 90 anos, mora em Jardinópolis. Ficcionista, desenhista, articulista e roteirista de filmes, histórias em quadrinhos e fotonovelas, é considerado o “Papa da Pulp Fiction” no Brasil. Para José Mojica Marins ele escreveu os roteiros de “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” (1968), “Trilogia de Terror” (1968, episódio “Pesadelo Macabro”) e “O Despertar da Besta” (1969, cujo título original era “Ritual dos Sádicos”).
Também colaborou com “Finis Hominis” (1971), “Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro” (1971), “Quando os Deuses Adormecem” (1972), “Exorcismo Negro” (1974), “A Estranha Hospedaria dos Prazeres” (1976), “Inferno Carnal” (1976), “Delírios de um Anormal” (1978), “Mundo – Mercado do Sexo” (1978) e “A Praga” (1979), entre outros.
Aventura, faroeste, drama. José Mojica Marins fez de tudo, ao longo de sua carreira como ator e diretor. Mas foi o terror que lhe deu fama. É um daqueles casos em que o personagem sobrepujou o autor. Zé do Caixão no Brasil, “Coffin Joe” nos Estados Unidos. Quem não conhece a sinistra figura de unhas longas e encurvadas?
Mesmo quando seus filmes deixaram de fazer sucesso – o último, o mais bem produzido de sua carreira, ficou abaixo da expectativa –, a aura permaneceu intacta. As pessoas ainda o paravam na rua, queriam tirar fotos, pediam autógrafos. Em 1958, lançou seu western caboclo, “A Sina do Aventureiro”. Seis anos mais tarde, surgiu “Meu Destino em Tuas Mãos”, que segue as aventuras de cinco crianças que caem, na estrada, fugindo dos pais.
O líder do grupo canta, e o filme segue a vertente aberta pelo chamado rouxinol de ouro, o ator mirim espanhol Joselito, que cantava como ninguém. Em 1963, finalmente, foi a vez de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”. Repetidas vezes Marins contou a história da gênese de Zé do Caixão. O personagem foi criado por ele em 11 de outubro de 1963. Marins sonhara, terrível pesadelo, com um vulto que o arrastava para o próprio túmulo.
Procurando reproduzir sua aflição, ele criou Zé do Caixão e lhe deu esse nome baseado, segundo dizia, na lenda de um ser que viveu há milhões de anos na Terra e que se transformou em luz, voltando, como luz, muito tempo depois, ao planeta de origem. O detalhe curioso é que Marins não ficou satisfeito com a própria voz. Ele intuía que Zé do Caixão precisava de um timbre especial.
Assim como tem data de nascimento, o personagem teve um dublador – Laércio Laurelli, que dublava um ator italiano então popular, Mario Carotenuto. A crítica caiu matando, e assim prosseguiu nos filmes seguintes. O público encampou Zé do Caixão. O reconhecimento começou no exterior, mesmo que Glauber Rocha, um ícone do cinema do País, tenha sido pioneiro ao reconhecer que alguma coisa havia naquele Zé do Caixão.
Josefel Zanatas é o verdadeiro nome do personagem. Amoral e niilista, ele exerce a função de agente funerário. É um descrente obsessivo que não crê em Deus nem no Diabo, mas se considera superior aos outros e busca a mulher perfeita para conceber o filho perfeito. Essa perfeição nunca é física – é um conceito mental.
Para a visualização de Zanatas/Zé do Caixão, Marins inspirou-se em Max Schenk, protagonista de “Nosferatu”, de F. W. Murnau, de 1922. O personagem seguiu aparecendo em “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, “Trilogia do Terror” e “O Despertar da Besta”.
Em 2008, e com ajuda de amigos, concluiu a trilogia iniciada com “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” e que teve prosseguimento com “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”. “A Encarnação do Demônio” teve orçamento de R$ 1 milhão, o mais elevado de um filme de Zé do Caixão, que teve direito a figurinos chiques, criados pelo estilista Alexandre Herchcovitch. Marins foi convidado para o Festival de Veneza e apresentou seu filme – claro – à meia-noite.
Apesar da fama, ele nunca ganhou muito dinheiro com o terror. Virou figura folclórica, enveredou por diversos gêneros (até pornô). Apresentou o Cine Trash na TV Bandeirantes, comandou O Estranho Mundo de Zé do Caixão no Canal Brasil. Muitos estudiosos avaliam que José Mojica Marins não foi apenas um nome visceral do cinema brasileiro mais popular. Por seus métodos de produção e pelas ligações na Boca do Lixo, ele também teria sido decisivo para a eclosão do cinema marginal.