“Tenho a honra de dizer que o meu voto enterra a ditadura fascista, corrupta e entreguista que infelicitou a minha Pátria”. Assim, o deputado João Cunha, então no PMDB, justificou, em 15 de janeiro de 1985, seu voto, de número 344, a Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. O mineiro foi o primeiro presidente civil e eleito após a ditadura militar.
Passagens como essa, e tantas outras em defesa da democracia, foram lembradas durante homenagem póstuma ao deputado realizada na Câmara de Vereadores, na noite de quinta-feira, 11 de dezembro, que contou com a presença de familiares, amigos e colegas de bancada do deputado.
O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) também esteve presente e discursou sobre a relevância dos trabalhos de João Cunha como defensor dos direitos humanos e da democracia. “Homenageamos aqui nosso ilustre ribeirão-pretano, que faleceu no último dia 14 de novembro, coincidentemente véspera do processo eleitoral, o qual ele tanto defendeu e participou”, disse.
“Nós não vivemos tempos normais, estamos todos de máscaras, fato inusitado para a normalidade da própria humanidade, e era em tempos anormais que o João Cunha iniciou sua vida política, enfrentando a ditadura militar, defendendo o retorno do sufrágio universal, o direito à liberdade, direitos humanos e a luta a favor da democracia”, ressaltou o prefeito.
Discursaram também o presidente da sessão solene, vereador Renato Zucoloto (PP), o jurista Sérgio Roxo da Fonseca, o ex-deputado federal Marcelino Romano Machado, o advogado Roberto Heck e o representante da Comissão e Justiça e Paz de São Paulo, Ezio Bruno Bruzadin.
Todos, amigos do homenageado, lembraram de situações que viveram com ele enalteceram a importância da sua luta. Também falou à tribuna , Andrea Cristina dos Santos Corrado, vice-presidente da 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), a OAB de Ribeirão Preto.
Durante a homenagem, foi exibido um vídeo com imagens históricas de discursos de João Cunha no plenário da Câmara Federal e em comícios, além de depoimentos de amigos. A família do homenageado também recebeu um diploma referente aos serviços prestados não só à sociedade ribeirão-pretana, como também à população brasileira. Ao final da cerimônia, Patrícia Rodrigues da Cunha, filha de João Cunha, agradeceu as homenagens prestadas.
“Eu queria falar um pouco sobre a figura do meu pai, o homem dessa potência de coragem, de combatividade, dessa braveza única, mas existe o João, meu pai, que transcendeu todas essas características, eu posso dizer que ele é o homem mais doce, mais terno, mais gentil que eu pude conhecer em essência”, disse.
“Ele nos colocava no banho quente, naquele frio de Brasília, preparava nosso café da manhã, são essas as lembranças doces. Tudo no João era desmedido, o sentimento, a braveza, a potência, mas acho que isso faz parte de almas que são singulares. Essa será uma saudade de todos os dias”, revelou.
“Gratidão pela loucura feita de sonhos e luta incansável pelo nosso bem-estar. Como disse Fernando Pessoa, seu amado poeta, ‘Tudo vale a pena quando a alma não é pequena’”, finalizou, emocionada. João Cunha morreu aos 81 anos, em 14 de novembro.
João Orlando Duarte da Cunha era advogado formado pela Faculdade de Direito Laudo Ferreira Camargo, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Foi vereador em sua cidade natal, deputado estadual e deputado federal. Pai de quatro filhos em dois diferentes casamentos, publicou, em 1977, a coletânea de discursos intitulada “Resistência”.
Foi vereador em Ribeirão Preto por dois mandatos, de 1969 a 1972 e de 1973 a 1975, ambos pelo MDB, partido de oposição à Arena, que era historicamente ligada ao regime militar. Foi eleito deputado federal por quatro mandatos consecutivos (de 1975 a 1991), sempre pelo MDB (PMDB a partir de 1983), tendo tomado parte da Assembléia Nacional Constituinte de 1988.
No período como parlamentar, se destacou como membro de uma das alas que mais se opunha ao regime militar. Foi um ferrenho opositor ao Ato Institucional nº 5 (o popular AI-5 que muita gente hoje quer ressuscitar) e denunciou publicamente o assassinato de Vladimir Herzog. Ao fim do regime militar, citou o ex-presidente João Batista Figueiredo como o líder de uma facção criminosa que se mantivera no poder por mais de 20 anos.