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Jirges Dieb Ristum

Em 1964, logo após a derrubada do Presidente João Goulart, as autoridades vitoriosas, proclamando a neces­sidade de impedir condutas supostamente subversivas, decretaram a prisão de um número inimaginável de pessoas sem que houvesse flagrante ou qualquer decreto judicial. Médicos, advogados, padres, freiras, jornaleiros, trabalha­dores e estudantes foram presos. Na época eu advogava em Ribeirão Preto com os doutores Acyr Tavares Boechat e Enéas Oliveira Viana.

Ao lado dos meus colegas de escritório, tive a oportuni­dade de testemunhar a presença do Arcebispo Dom Felício, devidamente paramentado, na esquina da Rua General Osório com a Álvares Cabral, ali presente para desestimular qualquer violência possível de ser cometida contra a pas­seata dos estudantes e sua manifestação defronte do Teatro Pedro II. O arcebispo estava acompanhado do empresário Otorino Rizzi. Foi orador do ato o estudante de medicina Sérgio Arouca que, depois de formado, foi um dos funda­dores do SUS, o mais importante serviço de saúde da terra.

No curso daqueles dias, foi preso e processado o estudante de direito Sidney Torrecilhas, acusado de cometer crime contra a segurança nacional por ter sido surpreendido distribuindo panfletos com dizeres defensivos e elogiosos ao Supremo Tribunal. O habeas corpus impetrado foi indeferido por meio de sentença que reconhecia no ato conduta ilícita. O Sidney permaneceu preso até final decisão que o absolveu.

O Arouca, o Sidney, o Feres e eu fomos contemporâneos enquanto cursamos as aulas do Instituto de Educação Oto­niel Mota. Entre outros grandes amigos, um hoje merece destaque. Refiro-me ao Jirges Dieb Ristum. Dotado de inteligência brilhante, o Jirges, desde cedo, envolveu-se com a arte e os artistas mais notáveis de São Paulo.

O jornal Folha de S. Paulo, de 11.3.2021, página B10, publicou uma reportagem de página inteira, noticiando que André Ristum, seu filho, vai dirigir um filme projetado pelo italiano Michelangelo Antonioni, resgatando a “a amizade do seu pai”, o ribeirãopretano Jirges Dieb Ristum. O filme chama-se “A Aventura”, lançado em 1960, tendo como obje­to a busca de uma jovem desaparecida no mar que “termina com romance proibido”.

Voltando a 1964, registro que o Jirges encontrava-se em São Paulo quando eclodiu o movimento militar. Tendo seu pai avisado de que havia ordem de prisão contra a sua pessoa, solicitou a sua vinda para Ribeirão Preto.

O Jirges e seu pai solicitaram que eu o acompanhasse até a Delegacia de Polícia. Lembro-me que era uma manhã bem fria. Fomos recebidos por um militar. Solicitei dele o motivo da prisão. Na presença do Jirges, o militar comuni­cou que estava cumprindo ordens do General Chefe do II Exército. Mas qual o motivo da ordem? Não há nenhuma motivação a respeito. O Jirges permaneceu preso sem qual­quer motivo.

Assim que foi solto, Jirges exilou-se, dedicando o seu tempo na Europa ao estudo da arte cinematográfica, quando ganhou grande notoriedade, daí, com certeza, a sua amizade com Michelangelo Antonioni.

Um notável diretor, publicamente, comunicou que o nosso Jirges Dieb Ristum devia ser considerado o melhor diretor de cinema da época, muito embora nunca tenha dirigido sequer um único filme.

Atingido por uma doença gravíssima, até o final dos seus dias, o nosso Jirges permaneceu ao lado dos seus ami­gos, não com uma máquina cinematográfica, mas com uma caneta e um papel gravando seus últimos poemas.

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