Sérgio Roxo da Fonseca *
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Os exames vestibulares sempre trazem questões que ocultam respostas, talvez em busca de identificar os candidatos mais próximos dos livros e de sua leitura. Os técnicos batizam essas questões como “conceitos indeterminados”.
Uma delas, com certeza ancorada numa das mais agudas indeterminações, é o nome de Jesus. Machado de Assis, por exemplo, encerra sua obra prima, Dom Casmurro com uma frase flagrantemente ambígua quando sustenta que “Jesus, filho de Sirah” aconselhou que ninguém deve ter ciúmes de sua esposa para que ela não se meta a trai-lo com a malícia que dele aprendeu.
O Jesus Cristo é identificado nos textos sagrados também como Jesus Nazareno e até mesmo como Jesus Galileu. Se é assim, onde o romancista foi buscar o Jesus, filho de Sirah ou Jesus ben Sirach? Seguramente foi na Bíblia. Cerca de duzentos anos antes do Cristo, outro Jesus escreveu um dos livros sagrados, que recebeu o nome de Eclesiastes ou Sirácido, coberto de conselhos, um dos quais foi usado para encerrar o livro de Machado de Assis. Jesus, o Sirináico, provavelmente era versado na literatura grega, onde encontrou razão para escrever um livro composto somente de provérbios.
Por falar na Grécia, um dos textos antigos mais referidos no mundo jurídico, é a tragédia de Antígona que então vivia sob leis editadas pelo rei Orontes que ameaçava seus súditos com a pena de morteque se atrevessem a enterrar os cadáveres daquele que se revoltassem contra ele. A regra condenava o infrator a também sofrer a pena de morte.
O irmão de Antígona revoltou-se contra Orontes e foi morto no campo de batalha, razão suficiente para que seu corpo permanecesse insepulto convertido em pasto para os animais silvestres.
Antígona viola a lei de Orontes. É identificada e julgada pelo rei que lhe pergunta se não tinha ela conhecimento da lei. Antígona dá uma resposta até hoje clássica, dizendo que tinha conhecimento da lei de Orontes, mas não era ela a norma mais elevada de todas. Ou seja, acima da lei de Orontes, diz Antígona, existem outras normas, editadas pelos deuses e uma dela ordena que o irmão têm o dever de enterrar o corpo insepulto do irmão morto. Entre desobedecer Orontes e os deuses, Antígona preferiu ficar com os deuses.
Acima da Lei Estatal, como a de Orontes, há outras normas jurídicas? As normas mais altas não derrogam as que estão sobre elas? Antígona acrescenta que entre desobedecer à lei dos deuses em litígio com a lei de Orontes, preferiu ficar com a dos deuses. Foi executada.
A questão é intrigante até hoje. Kelsen, o grande jurista austríaco revelador do positivismo moderno, afirmou que o ordenamento jurídico tem a forma de uma pirâmide. No ponto mais alto fica solitariamente a “norma hipotética fundamental”. Todas as normas, que estão abaixo dela, até mesmo a da base do sistema, ou estão concordes com a norma hipotética, ou não tem valor. A lei de Orontes ou estava adequada à norma dos deuses ou não tinha valor.
Mas nem sempre o direito é pétreo. A Constituição Democrática de 1988, por exemplo, afasta-se desses caminhos. O parágrafo segundo do seu art. 155 reconhece que normas não escritas podem e devem ser invocadas para a solução de conflitos. São os postulados constitucionais que, muito embora sejam silenciosos, valem como lei maior se não atropelar aestrutura jurídica.
Antígona é o nome que o grego Sófocles deu a sua tragédia Antígona que até hoje atormenta a rigidez do direito escrito. Trata-se de uma peça teatral escrita por Sófocles por volta de 442 antes de Cristo em sequência à tragédia do Rei Édipo.
* Advogado, professor e procurador de Justiça aposentado