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Jerusalém, capital de Israel?

O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, esteve no Brasil para participar da posse de Bolsonaro. Aliás, ele não perderia essa grande oportunidade de consolidar uma aliança dentro do seu campo político, diante do grande isolamento internacional do seu governo. Óbvio que nas entrevistas que deu por aqui, o assunto da embaixada brasileira em Israel esteve sempre presente.

Seu argumento é que Jerusalém sempre foi a capital do povo israelense e, para isso, a base constante deste argumento é a Bíblia Hebraica (o Antigo Testamento para os cristãos). Mas a falácia deste argumento reside em duas explícitas confusões: 1) os reinos do antigo Oriente não eram Estados-Nação, as fronteiras não eram definidas como hoje; 2) a Bíblia não é um livro histórico, mas sim um livro teológico que se serve de narrativas históricas.

Tentaremos esclarecer esta questão de Jerusalém como capital de Israel, do ponto de vista da História. Tomo como referência as pesquisas do Professor Israel Finkelstein, diretor do Instituto de Arqueologia Sônia e Marco Nadler, na Universidade de Tel-Aviv, e Neil Asher Silberman, editor da revista Archaelogy. Eles são os mais renomados arqueólogos especialistas nos lugares de Israel citados pela Bíblia Hebraica.

Em 2015, quando da excursão do Grupo de Estudos em Arqueologia do Oriente Médio da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), fomos recebidos por Finkelstein na Uni­versidade de Tel-Aviv e, no ano seguinte, ele esteve no Brasil, e nos brindou com palestras e colóquios na UMESP. Os dois são autores de alguns livros já lançados no Brasil, e destaco aqui A Bíblia Desenterrada, lançado pela Vozes.

Jerusalém nunca foi a capital do grande Reino de Israel descrito na Bíblia. Nunca possuiu a extensão territorial reivindicada pelo movimento sionista que levou à criação do Estado de Israel em 1948 pela ONU. A existência histórica de um Israel unificado à época dos primeiros reis Saul (1025-1005 AEC), David (1005-970) e Salomão (970-931) ainda está para ser comprovada. Muito recentemente, foi possível comprovar historicamente a existência do rei Davi.

Mas, com absoluta certeza, o possível reinado histórico de Salomão não teve nada de suntuoso, poderoso e magnífico como é descrito na Bíblia Hebraica. Suas grandes obras são atualmente atribuídas a reis posteriores, como Amri (884- 873) e Jeroboão II (788-747). Jerusalém, na época de Salo­mão, era uma vila minúscula e pobre.

Jerusalém foi apenas a capital do Reino de Judá (Sul) que ocu­pava uma pequena extensão em torno da própria Jerusalém. Nunca liderou, de fato, as 12 tribos. As fronteiras estabelecidas pela ONU para o moderno Israel já são muito maiores que o antigo Judá. O Reino de Israel (Norte) sempre teve um poderio e uma extensão muito maiores, apesar de menosprezado e sempre condenado pelos escribas e sacerdotes de Jerusalém, devido à sua idolatria.

O Norte era o Reino esquecido, como afirma Finkelstein. É bom lembrar que aquelas narrativas foram escrituradas séculos depois dos fatos. Os historiadores da Bíblia vêm demonstrando que esta redação final aconteceu entre o reinado de Josias (639- 609) em Judá e o retorno do povo judeu do exílio da Babilônia (538). Podemos afirmar, com toda certeza, que a Bíblia hebraica foi escrita em Jerusalém.

Vê-se, portanto, que não existem razões históricas para Ne­tanyahu reivindicar Jerusalém como capital exclusiva do Israel Moderno. Preferimos ficar com a posição do papa Francisco que defende o status de Jerusalém definido pela ONU: na região deve caber dois Estados, Israel e Palestina. Para Francisco, deveria ser reconhecida e preservada a identidade e o valor universal da cidade sagrada para as três religiões abraâmicas, referindo-se ao cristianismo, ao judaísmo e ao islamismo. Jerusalém deveria ser uma cidade internacional.

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