Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão
Criatividade Tropical: Abre as Portas para o Gueto, que a cantora Iza apresenta em quatro episódios disponíveis no Globoplay, não é bem um reality show. Afinal, nele, a única regra a ser cumprida é ser criativo. A grande prova dada aos nove participantes, vindos de periferias (ou subúrbios) de diferentes cantos do País, é compor uma música para, no final, ser gravada com a participação da cantora.
Produzida e filmada no Rio de Janeiro, com patrocínio da cerveja Devassa – os episódios estarão abertos para não assinantes da plataforma -, a série conta com a produção musical de Pablo Bispo e Sérgio Santos, este último, marido e produtor de Iza.
Todos os selecionados para participar do projeto já tinham alguma vivência com a música. A rapper Stefanie Roberta, de Santo André, São Paulo, trabalhou com nomes como MV Bill e Emicida; os percussionistas baianos Leandro Oliveira e Nanny já tocaram no carnaval de Salvador; Melk é violonista de Belo Horizonte; Ítalo Viana é contrabaixista de João Pessoa; o carioca Lukinhas, conhecido como LK, é cantor, produtor e compositor; Sabrina Azevedo, também carioca, já venceu concursos de poesia em âmbito estadual e nacional; a gaúcha Izandra é professora de música; e Rafael Porrada, de Lauro de Freitas, na Bahia, é cantor e compositor.
No primeiro episódio, além do projeto ser apresentado, os participantes discutem a necessidade de os artistas e talentos que estão à margem do mainstream serem ouvidos e integrados por aqueles que já alcançaram o estrelato e que, de alguma maneira, possam facilitar esse acesso.
Iza diz, em entrevista ao Estadão, que o contato com os participantes lhe trouxe lembranças de quando ela, nascida na zona norte do Rio de Janeiro, ainda batalhava por um lugar ao sol antes de, em 2016, se lançar como cantora profissional a convite da gravadora Warner Music.
“Lembrei dos sonhos e expectativas que eu tinha no início de carreira, da vontade de aprender coisas novas, saber sobre os equipamentos, palco. Procuro sempre estar perto de gente que está começando. Como artista, isso é importante”, lembra ainda.
O músico e compositor Carlinhos Brown é um dos convidados da série. No segundo episódio, ele dá uma master class de percussão para os participantes. Mostra, por exemplo, como o batidão do funk deriva do batuque dos terreiros de candomblé, além de dar dicas preciosas aos iniciantes.
Atualmente, Iza e Brown trabalham juntos como técnicos do programa The Voice. Os dois guardam uma relação de carinho que vem de anos atrás, quando o baiano deu uma das primeiras oportunidades na carreira de Iza.
“Eu estava na Praia do Forte (na Bahia) e ia assistir a um show do Brown. Fiquei na grade acompanhando a passagem de som porque queria tirar uma foto com ele. Ele veio falar comigo, tirou as fotos, e ainda me convidou para cantar com ele no show. Eu digo que ele foi meu técnico. Eu estava no início de tudo, nem sabia se daria certo como cantora”, conta Iza, que à época publicava vídeos no YouTube fazendo covers.
A atriz e compositora Larissa Azevedo, de 28 anos, nascida no Morro da Caixa d’Água, na zona oeste do Rio, foi indicada a participar da série Criatividade Tropical: Abre as Portas para o Gueto por intermédio da Digital Favela, uma plataforma que reúne e divulga empreendedores das comunidades cariocas. Ela lembra que, desde pequena, gostava de escrever. Mandava cartinhas para os vizinhos e fazia versos e músicas para as atividades culturais da escola.
Na adolescência, começou a participar das Slams, as batalhas de poesia faladas que acontecem geralmente na rua. Ganhou campeonatos estaduais e nacionais. Com isso, diz que abriu a mente. “Eu achava que ali onde eu morava era o planeta Terra. A poesia me fez ver a cidade, outros guetos. Outras culturas também são lindas”, conta. Atualmente, ela produz campeonatos e os leva para dentro de escolas e ONGs.
Para Larissa, participar da série e ter a oportunidade de fazer trocas artísticas com Iza lhe trouxe crescimento pessoal e artístico. Segundo ela, a cantora é uma referência que muitos talentos da periferia precisam.
“Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, não sabia o que responder. Então, eu inventava que gostaria de ser professora ou enfermeira. Quando a Iza vira minha referência, eu viro referência de outras pessoas e as coisas fluem”, afirma.
Pela participação na série, Larissa foi convidada pelo produtor Pablo Bispo a conhecer seu estúdio. Lá, encontrou-se com a cantora de funk Pocah e fez duas letras para ela. Sabrina quer mais: sonha em trabalhar com Ludmilla, Anitta e Emicida. “As pessoas que moram nas favelas precisam ser ouvidas.
As falas têm de ser delas. É preciso de movimentos que façam essas conexões. Minha favela não é midiática. Precisaria ter uma pessoa com cabeça revolucionária, que desça para a pista, busque caminhos e os leve para dentro do morro. Mas e se não tiver essa pessoa?”, questiona.
Iza observa que, apesar do sucesso que conquistou, está sempre de olho em novos artistas, sobretudo os periféricos. “Não moro mais no gueto, mas sou de lá. É a minha história. Pesquiso e procuro as pessoas. Quero saber de onde estão vindo as novidades Faz parte do meu processo de criação”, afirma.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.