Luiz Paulo Tupynambá *
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Os recentes e violentos protestos ocorridos na região central da Inglaterra deveram-se ao esfaqueamento, no dia 29 de julho último, de meninas e professoras que participavam de uma atividade de dança em uma escola na cidade litorânea de Southport. Essa pequena cidade fica ao norte de Liverpool, ao sul de Blackburn e a oeste de Manchester. Uma região muito povoada e de boa renda na Inglaterra. Durante o verão, atrai milhares de visitantes das grandes cidades vizinhas. O sítio eletrônico oficial da cidade diz que são 22 milhas de costa marítima, praias amigáveis para pets e um parque de diversões permanente, aberto durante todo o verão. É a região da Inglaterra “puro-sangue”. Nada mais inglês do que a região de Merseyside, onde fica Southport.
Grandes acontecimentos que viram notícia nacional nunca acontecem ali. Uma briga num pub entre torcedores de times rivais das cidades vizinhas ou o afogamento de um turista bêbado seriam notícias comentadas por um ano inteiro. O ataque a faca ocorrido na escola da Hart Street foi um acontecimento inconcebível para os habitantes da região. Mas aconteceu. Um jovem de 17 anos, que depois descobriu-se ser de origem galesa, de pais ruandeses, invadiu a sala onde as meninas participavam de uma aula de dança, com músicas e coreografias da cantora Taylor Swift. Sem aviso, feriu mais de 30 pessoas, entre crianças e adultos. Uma aluna de seis anos, uma de sete e outra de nove morreram pelas facadas que receberam.
A polícia inglesa demorou a divulgar a identificação do jovem, menor de dezoito anos, preso em flagrante no local do crime. Essa demora acabou por favorecer a divulgação falsa de que o atacante se tratava de um imigrante muçulmano irregular. Diziam chamar-se Ali al–Shakati. Na verdade, o nome dele é Axel Rudakubana. Essa região da Inglaterra tem servido de hospedagem para imigrantes ilegais que atravessam o Canal da Mancha em botes improvisados. Quando desembarcam em solo inglês, muitos deles é relocada em hotéis simples da região central do país ou em Gales. A maioria vem de países do norte e centro africanos de religião muçulmana. Eles têm sido alvo de crescentes ataques xenofóbicos por parte de grupos de jovens nacionalistas ingleses. A falsa identidade atribuída ao detido desencadeou a onda de protestos violentos. A intervenção nas redes sociais de figuras conhecidas e irresponsáveis como Elon Musk e seu queridinho Andrew Tate, um ex-campeão de kickboxing e militante de ultra direita, xenófobo e misógino, ajudou a jogar gasolina no fogo dos protestos.
Mas quem são esses desordeiros ingleses? A chamada classe operária inglesa gerou a maioria dos movimentos de jovens nas últimas décadas do século XX, como os punks e os skinheads. Embora se tenha uma ideia de que os skinheads estão associados aos grupos neonazistas europeus e estadunidenses, isso é completamente errado. O nazifascismo teve papel importante na política inglesa antes da Segunda Guerra Mundial, principalmente entre a aristocracia britânica. Hoje, poucos teriam coragem de manifestar apreço a Hitler e seu grupo de malditos. Já o movimento skinhead apareceu sob a influência dos jovens “mods” do final da década de 60, que foram os primeiros roqueiros de garagem e tinham forte simpatia pelas ideias socialistas e comunistas. De uma maneira geral, skinheads e punks ingleses são conectados aos movimentos de esquerda e anarquistas da Europa. Os primeiros grupos skinheads ingleses tiveram forte influência dos jovens imigrantes negros jamaicanos que chegaram nos anos 70, trazendo o reggae, o hábito de fumar maconha e a cultura rasta. Skinheads e punks ingleses odeiam neonazistas e fascistas em geral e continuam a ter simpatia pela esquerda. Não são contra os negros e se mobilizam sempre para enfrentar os neonazistas em manifestações de rua, em toda a Europa.
A xenofobia na Inglaterra é direcionada aos imigrantes muçulmanos. Punks, skinheads e nacionalistas ingleses parecem concordar entre si nesse caso. A primeira organização importante de extrema-direita a promover atos violentos e xenófobos foi a Liga de Defesa da Inglaterra (English Defence League), que recrutou membros entre os “hooligans” de futebol em várias regiões da Inglaterra e foi atuante até 2011. Naquele ano, vários de seus membros foram presos por planejarem e organizarem atentados terroristas a mesquitas na região de Londres. A EDL nunca apoiou o antissemitismo, o racismo biológico ou a homofobia. Seu foco na época e de seus sucessores de hoje é numa “guerra contra a jihad”, uma cruzada moderna. Acreditam que os muçulmanos têm o objetivo de escravizar a Europa cristã, começando por ocupá-la com seus miseráveis.
Esse episódio deixa claro que, quando uma figura mundial como Elon Musk fala em guerra civil em suas redes sociais, ele está se referindo à exterminação dos povos que hoje preocupam os países “brancos”: os muçulmanos e outros desvalidos amontoados em seus países paupérrimos. Israel, sob a mão-de-ferro dos sionistas no poder, está ensinando como se faz. Depois do fracasso das ideologias, a humanidade busca uma forma mais eficiente de se autoimolar. Talvez a resposta esteja aí: na intolerância racial e religiosa.
O novo governo inglês agiu rápido ao condenar em poucos dias os mais violentos do protesto. Mas já sentiu que o problema está apenas começando.
* Jornalista e fotógrafo de rua