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Informações falsas em propagandas online colocam pacientes em risco 

Estudo da USP/RP aponta aumento de campanhas sobre medicamentos e tratamentos sem comprovação científica com uso de IA 

Nos últimos anos, cresceu exponencialmente o número de anúncios online promovendo soluções “milagrosas” para problemas de saúde, como suplementos que prometem curar doenças crônicas (Reprodução)

Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão

Pessoas de todas as idades estão passando um tempo maior online, cada dia mais vulneráveis a conteúdos que nem sempre são confiáveis. O risco aumenta quando o assunto é o cuidado com a própria saúde ou com a família. É o que indica levantamento recente publicado pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP), vinculado à Universidade de São Paulo – USP.

O uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para criar conteúdo e disseminar às pessoas que possam se interessar amplia o risco de efeitos nocivos de medicamentos ou tratamentos sem comprovação científica.

João Henrique Rafael Junior, analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, monitora essa situação desde 2019, quando começaram os trabalhos da União Pró-Vacina (UPVacina), observando como o ecossistema digital, em particular o Facebook, se tornou terreno fértil para propagandas de remédios milagrosos. “Houve transição dessas propagandas do conteúdo orgânico para o modelo patrocinado, no qual muitos lucram com anúncios que colocam em risco a vida das pessoas”, destaca.

O grupo de estudos mapeou campanhas realizadas no último mês de setembro.  A estratégia foi capturar e registrar manualmente esses anúncios, uma vez que, após a veiculação, eles são removidos sem deixar rastros. Com isso, foram coletadas 513 publicidades que promoviam produtos sem mostrar comprovação científica e muitas vezes sem autorização dos órgãos reguladores.

Entre os principais tópicos dessas propagandas estão tratamentos para diabete, saúde sexual, emagrecimento e problemas de visão. “O que vemos é uma mudança de paradigma proporcionada pela inteligência artificial (IA); conteúdos que antes eram restritos, na sua maioria, a textos e imagens estáticas, foram aprimorados para vídeos elaborados que manipulam imagem e voz de personalidades e autoridades. Também pode ser observado aumento substancial em escala, com centenas e até milhares produzidos e impulsionados diariamente”, avalia Rafael Junior.

Confiar menos no que está sendo divulgado

Fernando Bellissimo Rodrigues: “a internet está repleta de informações, algumas confiáveis, outras não (Fapesp)

O professor Fernando Bellissimo Rodrigues, infectologista e chefe do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, alerta que a internet está repleta de informações, algumas confiáveis, outras não. Cabe ao público separar o joio do trigo. “Alertamos as pessoas para confiar menos em informações oriundas de perfis individuais nas plataformas digitais e procurar fontes mais confiáveis, como associações de profissionais da saúde ou entidades, como a Sociedade Brasileira de Geriatria ou a Associação Brasileira de Nutrição, que são mais confiáveis do que opiniões divulgadas por influenciadores nas redes sociais”, afirma.

Rodrigues alerta, ainda, que a desinformação afeta de maneira desproporcional as pessoas com menor nível educacional. “A população com menor escolaridade tende a ser mais vulnerável a promessas milagrosas, embora pessoas de alta escolaridade também acabem sendo enganadas”, completa.

Produtos médicos precisam ser aprovados por órgãos reguladores, como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. Alguns se apresentam como suplementos nutricionais para fugir dessa regra ou até mesmo apresentam dados falsos. Essas fake news não apenas colocam a saúde dos consumidores em risco, mas também minam a credibilidade de tratamentos médicos legítimos.

O levantamento revelou que 27,5% dessas propagandas utilizam a imagem do médico Drauzio Varella, uma das figuras mais respeitadas na área da saúde no Brasil. Outras personalidades, como âncoras de telejornais e artistas renomados também aparecem. Em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto, o médico Drauzio Varella fez duras críticas ao uso indevido de sua imagem e voz. Classificou essas práticas como “crime contra a saúde pública”, destacando que muitas pessoas acabam acreditando. Ele fez postagens de alerta no site oficial que mantém.  

“Os golpes na internet estão se espalhando cada vez mais. Anúncios de remédios ou tratamentos milagrosos utilizam a imagem do dr. Drauzio Varella para vender produtos inúteis e que podem até fazer mal para a sua saúde. Eles utilizam imagens, trechos de entrevista e até inteligência artificial. Mas fique atento(a): Drauzio não faz propaganda de remédios ou tratamentos. Se vir alguma propaganda com a imagem dele, denuncie!” 

Segundo a Anvisa, o monitoramento do comércio eletrônico e da publicidade de produtos de saúde na internet se intensificou após a pandemia. Desde 2021 há rastreio ativo de propaganda na internet, também utilizando inteligência artificial para fiscalizar anúncios em plataformas de comércio on-line 24 horas por dia, sete dias por semana. Com essa iniciativa, chamada Epinette, já foram rastreadas mais de 100 milhões de páginas, das quais mais de 200 mil continham algum tipo de conteúdo irregular. 

O professor Rodolfo Borges dos Reis, alerta: “a população muitas vezes se deixa fascinar por remédios naturais que, além de serem ineficazes, podem causar danos, já que não foram devidamente testados” (Reprodução)

Temas que mais aparecem nas propagandas
A análise indicou que 31,77% das publicidades eram relacionadas à saúde sexual masculina, fazendo promessas de aumento de potência e tratamentos milagrosos para disfunção erétil. Em segundo lugar, estavam os anúncios focados em diabete (12%), que incentivaram os pacientes a abandonar medicamentos tradicionais, como a insulina, em favor de soluções “naturais” sem eficácia comprovada. Em seguida, vieram os anúncios de emagrecimento (9%) e tratamentos de próstata (8%).

Essas áreas são especialmente preocupantes, pois os produtos prometem soluções rápidas e fáceis para problemas sérios de saúde, desviando as pessoas dos tratamentos médicos apropriados. Além dessas categorias, outros temas incluem tratamentos para visão (7%), que prometem curas milagrosas para catarata e glaucoma; dermatologia (6%), com produtos que alegam reverter sinais de envelhecimento e eliminar cicatrizes; e medicamentos para gordura no fígado e dores nas articulações (6%), que geralmente têm como alvo os idosos. A análise mostra que algumas dessas propagandas chegam a afirmar, inclusive, que o produto cura o câncer.

O professor Rodrigues lembra que também há um uso indiscriminado de poli vitamínicos e suplementos que, segundo ele, são amplamente propagados como essenciais para a saúde geral, o que, em muitos casos, é enganoso. “Os poli vitamínicos têm indicações específicas, como em casos de deficiência vitamínica ou dificuldades de absorção, mas não são indicados para uso generalizado”, critica. Ele destacou que muitos suplementos vendidos em academias não entregam o que prometem. “A proteína de um suplemento não é melhor do que a que vem do leite, do ovo ou da carne”, pontua.

O professor Rodolfo Borges dos Reis, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, vê com preocupação o crescente uso de suplementos alimentares. “A população muitas vezes se deixa fascinar por remédios naturais que, além de serem ineficazes, podem causar danos, já que não foram devidamente testados”, alerta o professor.

O levantamento mostra que 83% dessas propagandas estão no formato de vídeos e 17% utilizam imagens estáticas tradicionais. Em relação aos vídeos, fortes evidências indicam que 62% usam manipulação por IA com informações falsas. “Esses fatores revelam uma preferência clara pela produção de vídeos, que são mais eficazes para atrair e engajar o público. É um mecanismo sofisticado que se apropria da confiança depositada nas figuras públicas e no suposto selo de aprovação da Anvisa para vender produtos duvidosos e, muitas vezes, ineficazes”, destaca Rafael Junior.

A análise também revelou que 96% dos anúncios direcionam os usuários para conversas no WhatsApp, onde o vendedor mantém contato direto com a pessoa, aumentando a vulnerabilidade e a possibilidade de golpes. “Essa tática é extremamente perigosa porque o usuário é incentivado a fornecer seus dados pessoais e, muitas vezes, efetuar compras sem qualquer garantia de segurança ou qualidade”, afirma Rafael Junior.

Apesar dos esforços de regulamentação nas plataformas digitais para conter anúncios enganosos, o professor Rodrigues acredita que tais medidas são insuficientes. “As notícias falsas continuam circulando impunemente e há uma dificuldade tanto jurídica quanto técnica para responsabilizar os autores dessas fraudes”, conclui.

Embora já existam iniciativas como o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o “PL das Fake News”, que visa à responsabilização das plataformas digitais, a eficácia dessas medidas depende da conscientização da população. “Podemos criar leis rigorosas, mas, sem educação, o combate à desinformação será limitado, especialmente na área da saúde”, alerta. 

 

 

 

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