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‘Inferninho’, uma boa parábola sobre o Brasil contemporâneo

Por Luiz Carlos Merten

Pedro Diógenes tem participado sozinho das entrevistas para promover Inferninho, que estreia nesta quinta, 23. O codiretor Guto Parente está montando outro filme, que não dirigiu, em Portugal. Inferninho venceu a mostra Novos Rumos, no Festival do Rio do ano passado. É mais um sinal de criatividade do cinema cearense, do qual foi visto, há pouco, O Último Trago, outra codireção de Diógenes, com os irmãos Luiz e Ricardo Pretti. Todos estiveram unidos na produtora Alumbramento, na realização de um dos filmes brasileiros mais importantes da década – Estrada para Íthaca.

Inferninho é um boteco sujo gerenciado por uma trans nipo-brasileira, Deusimar. O garçom disfarça-se de coelho e os frequentadores vestem-se de Mickery, Wolverine, Surfista Prateado, Super-Homem. Ninguém é o que parece ser, mas o que gostaria de ser. A sensação é de isolamento, talvez de refúgio. Um espaço de liberdade, onde tudo é permitido.

“Se você parar para analisar, verá que isolamento e refúgio são características de nossos filmes, desde Estrada para Ithaca. Tem a ver com o fato de a gente, em Fortaleza, se sentir isolado. Estamos muito longe do eixo Rio-São Paulo, onde as coisas acontecem. Estamos distantes até do Recife, que seria geograficamente muito mais próximo. Criamos um refúgio em Fortaleza, e olhe que nossos filmes circulam em festivais, às vezes demora, mas têm lançamento comercial. A cena de Fortaleza é muito forte, mas teatro, música, dança ficam muito circunscritos – isolados mesmo”, avalia Diógenes.

Até pela diversidade dos personagens, o filme termina misturando gêneros, e nisso prossegue com as ousadias estéticas de O Último Trago. Lá, outro boteco de beira de estrada abrigava marinheiro, cantora de saloon – western. “Inferninho nasceu com a vontade expressa de ser um melodrama. Somos, Guto e eu, apaixonados por Douglas Sirk, por (Rainer Werner) Fassbinder.” É o primeiro filme que realizam juntos, mas a parceria é longa. “A gente se conhece desde garoto. Íamos a locadoras juntos para escolher os filmes, estudamos cinema também juntos.” Teceram essa história sobre um espaço em que as pessoas conseguem ser – e dar vazão a suas fantasias. Mas é um espaço ameaçado. O inferninho está para ser desapropriado para que sua área integre um novo projeto imobiliário.”A especulação é uma das faces da tragédia brasileira”, diz Diógenes. Esse choque entre desejo e repressão do mundo externo foi feito para refletir o Brasil atual?

“Calhou de o filme chegar agora como um espelho do que está ocorrendo, mas o projeto surgiu em 2013 e foi filmado em 2016. Foram anos de muitas agitação, muita mudança e, mesmo assim, a realidade atropelou a gente e deu pleno sentido ao que era um mal-estar, uma insatisfação.”

Na ficção, e apesar de todas as fantasias, todo mundo segue preso no Inferninho. O filme foi feito em Cascavel, a 100 quilômetros de Fortaleza, num sítio onde não havias wi-fi nem sinal de celular. “Ficamos totalmente imersos durante 12 dias, e o filme é tão nosso quanto do Bagaceira, um grupo de teatro que fez todo o processo com a gente.” Se o melodrama foi o começo, o filme pronto viaja por outras vertentes – noir, gângsteres. Tem algo de chanchadeiro, porque o humor é importante. Embora feito com poucos recursos, Inferninho enriqueceu o grupo todo como método de trabalho. “Foi talvez nosso filme que mais circulou. Foi a Toronto, foi premiado no Queer Lisboa. A temática LGBTQ é visceral. Guto é o novo queridinho da Film Comment, que, em sua avaliação do cinema latino-americano, em 2018, destacou outra obra dele, The Cannibal Club, O Clube dos Canibais. Inferninho ganhou o título internacional de My Own Private Hell. Alguma coisa a ver com My Own Private Idaho/Garotos de Programa, de Gus Van Sant? “Não pensamos, mas é um autor que tem uma marca.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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