Nunca o brasileiro deveu tanto – e não pagou. Em janeiro deste ano, 70,1 milhões de inadimplentes com bancos, empresas de cartão de crédito, financeiras, lojas e serviços de utilidades pública, como água e luz, acumulavam dívidas em atraso que totalizavam R$ 323,3 bilhões.
Noruega
Tanto o número de inadimplentes quanto o valor de débitos são recordes da série iniciada em março de 2016, apontam dados da Serasa. Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, entraram na lista do calote 5,3 milhões de pessoas, o equivalente à população da Noruega.
Dívida total
No período, a dívida total cresceu cerca de 24% (R$ 62,6 bilhões), enquanto o valor médio por inadimplente avançou de R$ 4.022 para R$ 4.612. Juros altos e renda corroída pela inflação elevada foram os gatilhos para o aumento do calote, adormecido no auge da pandemia por conta das postergações da quitação dos atrasos.
O aumento no número de inadimplentes começou a partir de setembro de 2021, quando a inflação acumulada em doze meses atingiu 10,23%. Até aquele mês, eles eram por volta de 62 milhões, uma marca já elevada, com total de dívida de R$ 245 bilhões.
“A inflação fez um estrago gigantesco no orçamento das famílias, especialmente nas de baixa renda, o que gerou esse crescimento no número de brasileiros inadimplentes”, afirma o economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi. Para esticar a renda e manter o padrão de consumo, as famílias buscaram o crédito mais fácil e mais caro.
Cartão e cheque
São exemplos o cartão de crédito e o cheque especial, mas a estratégia acabou não dando certo a médio prazo justamente porque a inflação não cedeu. O cenário se agravou por causa da fraqueza do mercado de trabalho. Embora a ocupação tenha aumentado, o salário não teve ganhos reais.
A deterioração da situação financeira das famílias já traz uma preocupação para o sistema financeiro do país, que tem ficado mais rígido na concessão de novos créditos e levado os brasileiros a recorrer às chamadas linhas emergenciais, como cheque especial e rotativo do cartão de crédito – que têm os juros mais elevados.
Em doze meses até janeiro, por exemplo, a concessão de crédito dessas duas modalidades registrou alta de 22% e 47,5%, respectivamente, de acordo com dados do Banco Central (BC). “Todo esse cenário pressiona a situação financeira das famílias, diminuindo tanto a demanda quanto a oferta de crédito”, afirma Isabela Tavares, analista de Tendências.
“Esse tipo de crédito revela uma necessidade das famílias em momentos de emergência, porque elas não têm acesso a outras modalidades.” Também foram as linhas de cheque especial e cartão de crédito que registraram os maiores índices de inadimplência.
Atraso
Em janeiro, o atraso apurado há pelo menos 90 dias respondia por 13,6% do saldo a receber, no cheque especial, e 8,6% no do cartão de crédito parcelado, aponta o BC. É uma marca bem superior à inadimplência média das pessoas físicas com recursos livres, que atingiu 6,1% no mesmo período.
Segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, essa taxa média de inadimplência da pessoa física com o sistema financeiro é a maior em seis anos e meio. “Só a recessão de 2015/16 produziu um cenário tão negativo quanto esse que temos hoje”, afirma o economista.