O jornal Folha de S. Paulo vem editando livros sobre o pensamento dos mais extraordinários pensadores da humanidade. Os livros são vendidos nas bancas de jornal por pouco mais vinte reais cada um. É possível adquirir edições passadas pelo mesmo preço.
Uma das mais notáveis obras assim editada é o livro do suíço Jean Jaques Rousseau (1712-1778). Nela o autor deslocou a competência jurídica do Estado, até então depositada nas mãos dos reis, para a mão do povo de cada país. Antes dele o rei é a lei (“Rex est lex”). Após suas lições a lei foi convertida no rei (“Lex est rex”).
Suas lições serviram para alicerçar os Estados surgidos durante os séculos XVIII e XIX. O pensamento do suíço foi a base para a eclosão da Revolução Francesa (1789) como também para impulsionar a luta pela independência norte-americana.
Na época a França e os Estados Unidos estavam unidos, como bem demonstra até hoje o museu parisiense do Quai d’Orsay. Ainda na França, Napoleão Bonaparte colocou em vigor as leis que se converteram no espelho dos direitos da cidadania. O povo é o titular da lei pois esta somente tem valor se foi por ele instituída.
Até mesmo a Constituição brasileira ordena que ninguém poderá ser obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Muito embora o texto esteja consagrado em norma constitucional, forçoso considerar que é ordinariamente descumprido no Brasil.
Hoje afirmamos que nos países democráticos o cidadão pode fazer o que quiser, menos violar a lei. Ao contrário, o Estado e todos os seus servidores nada podem fazer, salvo quando já estão autorizados pela lei, ou seja, pelo povo. Nem o Presidente da República, nem os ministros do Supremo Tribunal e nem mesmo o guarda da esquina estão autorizados a atacar a liberdade individual sem autorização do povo, ou seja, sem autorização da lei.
Rousseau advertiu que numa democracia só e somente só o povo e seus representantes podem criar a lei que venha limitar o exercício da liberdade do cidadão. Ou em outras palavras, se somente o povo está munido de poderes para contrair a liberdade dele mesmo, daí se extrai que qualquer outra origem da constrição merece ser reconhecida como inconstitucional. Será mesmo?
Lecionou Rousseau, na sua obra “Contrato Social” que “cada cidadão, unindo-se a todos, mais que a si mesmo, permanece tão livre como antes”. Assim, não caberia ao cidadão insurgir-se contra a aplicação da norma sobre sua pessoa porque direta ou indiretamente ele foi um dos elementos geradores da constrição.
As lições deixadas por Rousseau há mais de duzentos anos espantam o brasileiro, especialmente ao ler que, naquela época, o grande autor lecionou que “não importa a constituição de um governo, enquanto nele um único homem não está submetido à lei, quando não todos os outros estarão necessariamente a mercê dele”.
No Brasil, diz a imprensa que o presidente da Câmara engavetou cerca de cem pedidos de “impeachment”, negando-se a processá-los. Um senador engavetou a indicação de um candidato para compor o Supremo Tribunal Federal. E mais ainda, o Congresso Nacional processou um “orçamento secreto”. Pode? Não pode se o país for democrático.
Segundo o padrão consagrado pelos países democráticos o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, o senador David Alcolumbre e o presidente do Supremo Tribunal Federal somente podem agir se autorizados pelo povo, ou seja, pela lei. Não são eles donos da entidade que dirigem.
“Rex est lex” deixou de ser a base até mesmo das monarquias, contudo o lema vem sendo aplicado em quase todos os países republicanos. Há ainda necessidade de lutar pela síntese democrática: “lex est rex”.