O francês Montesquieu (1689-1755) exerceu forte influência na estruturação dos Estados ocidentais. A doutrina afirma que olhava para a Inglaterra quando escreveu seu mais famoso livro: “O Espírito das Leis”.
Sustentou o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, como também o postulado da tripartição de poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Supondo que o Estado somente pode intervir na liberdade individual se houver lei, consequentemente o Legislativo é o poder fundamental do Estado. Cabe, portanto, ao Executivo, conforme diz o vocábulo, executar as ordens expedidas pelo Legislativo. Como habitualmente, percebem-se conflitos na aplicação das leis, propôs a instituição do Judiciário para resolver os conflitos surgidos no patamar existente abaixo das leis.
Vale a pena lembrar que Aristóteles, nascido há 384 antes de Cristo e falecido 322 antes do seu nascimento, já havia distinguido a existência dos três poderes.
A novidade revelada por Montesquieu é a existência do “espírito” das leis. Ou seja, como as leis falam por meio de palavras escritas ou orais, a fixação dos seus limites extrai-se da técnica usada para a perfeita compreensão do sentido das palavras. As palavras falam pelas palavras.
Muitos anos depois, o austríaco Kelsen (1881-1973) revelou a chamada teoria pura do direito, argumentando que o sistema tem a figura de uma pirâmide. As normas colocadas na ponta da pirâmide outorgam validade às normas inferiores até o seu alicerce. No ápice da pirâmide está uma única norma, a “norma hipotética fundamental”. O direito, portanto, é revelado pelo direito, segundo a “teoria pura do direito”.
A genialidade de Montesquieu, para mim, nasce da revelação de um sistema no qual se vislumbra, por exemplo, uma variedade de sentido da norma. São suas palavras:
“Os homens são todos iguais no regime republicano. Também são iguais no regime ditatorial. No primeiro porque eles são tudo. No segundo porque eles são nada”.
Portanto a igualdade pode ter mais de um significado. As palavras ocultam ou revelam os esconderijos da lei. A história brasileira noticia muitas fases vividas sob governos despóticos, regidos por ditadores fantasiados de democratas.
Na fase mais pétrea da ditadura de Vargas, chamada de “Estado Novo”, atribuiu-se ao Ministro da Justiça Francisco Campos a competência de redigir a nova Constituição. O Ministro Francisco Campos tinha uma visão singular do nosso direito: “No Brasil tudo pode, só não pode perguntar se pode”. Se o homem perguntar se pode, a resposta que deverá ouvir será: não pode”.
Os Estados democráticos modernos voltam seus olhos para as antigas lições. Durante a ditadura instalada em 1964, sob o falso argumento de luta contra o comunismo, testemunhamos prisões de sacerdotes, de juristas, de médicos, de artistas e de estudantes sem processos e sem defesa. Alguns se exilaram. Outros morreram quando foram presos. Havia lei autorizando esse tipo de inserção? Não. Contudo, os intérpretes, com suas exóticas palavras, proclamavam que estavam defendendo o Estado Democrático!
A Constituição de 1988 nasceu com face moderna, tanto que, ao contrário da anterior que arrastava os direitos fundamentais para o art. 153, a atual, proclama logo nos seus dispositivos inaugurais que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou a não fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.
Daí se extrai que no Estado moderno, todo cidadão pode fazer o que quiser, menos o que for proibido por lei. Ao contrário, o Estado e todos os seus servidores estão proibidos de formular qualquer tipo de intervenção na liberdade individual, salvo se autorizados por lei e somente por lei.