Por Jamil Chade
Conhecido como “homem da mala”, o lobista Jean Marie Weber recebeu um credenciamento de último minuto para o evento que garantiu a eleição do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016. Há 10 anos, tribunais na Suíça o apontaram como o homem que pagou propinas em um esquema montado por João Havelange, ex-membro do COI e ex-presidente da Fifa.
O Estado, naquele evento de 2009, foi o único jornal brasileiro convidado para a cerimônia de abertura do Congresso do COI, em Copenhague, na Dinamarca. No local, cerca de 100 membros eleitores da entidade circulavam na presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do rei Juan Carlos, da Espanha, e das equipes de cada cidade candidata para receber os Jogos de 2016.
Enquanto o evento se desenrolava na ópera, com música e discursos, a reportagem foi testemunha de como Jean Marie Weber circulava pelo local que, horas depois, seria o palco da vitória do Rio de Janeiro. Hoje, o processo está sob investigação e procuradores da França e Brasil suspeitam de um amplo esquema para a compra de votos.
Em seu livro Omerta, de 2014, o jornalista britânico Andrew Jennings levantava suspeitas de que o Rio de Janeiro teria comprado votos no COI para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2016
A base da acusação era justamente o envolvimento de Jean Marie Weber em Copenhague. O operador havia sido apontado pela Justiça suíça por ser a pessoa que fazia pagamentos de propina a cartolas de todo o mundo e que fechava acordos secretos em sintonia com João Havelange, nos anos em que o brasileiro era presidente da Fifa. Weber também foi o homem que o então chefe da Adidas nos anos 70, Horst Dassler, estabeleceu para intermediar os negócios e até ajudar a eleger Havelange em 1974 como presidente da entidade máxima do futebol. Sua gestão nos bastidores do esporte o valeram o apelido de “bagman” (homem da mala).
Em 2009, no evento do COI, tanto Jean Marie Weber quanto João Havelange estavam uma vez mais no mesmo local. “João convenceria um número suficiente de membros do COI e Jean Marie Weber distribuiria o dinheiro”, indicou o britânico. Andrew Jennings, porém, não traz provas de que o dinheiro teria sido pago nem quem teria recebido.
“Havelange sabia o preço de todos os membros do COI”, apontou o livro, citando o fato de que o dirigente esteve envolvido no esporte por 46 anos e que havia “atuado por décadas” ao lado de Jean Marie Weber.
Ainda de acordo com o livro e com as apurações do jornalista, Jean Marie Weber, mesmo apontado pela Justiça suíça como tendo feito parte do esquema de corrupção dentro da Fifa, ganhou uma credencial do COI com direito a permanecer dentro do hotel Marriott, onde estavam os membros do Comitê que votariam para escolher a sede de 2016. Já os jornalistas ficaram do lado de fora do hotel.
“Ele (Jean Marie Weber) conhecia a todos, especialmente os membros mais antigos que faziam parte da entidade. E isso era uma entrada a propinas para as cidades candidatas”, escreveu Andrew Jennings. “Isso nunca acabou. A única mudança é que os negócios eram feitos de forma mais discreta”. Em 2008, por exemplo, Weber fez parte do comitê de marketing da Confederação Africana de Futebol (CAF, na sigla em inglês), liderada na época por Issa Hayatou.
CREDENCIAMENTO – Por meses, Andrew Jennings buscou saber do COI o motivo pelo qual Jean Marie Weber havia obtido um credenciamento para o evento. Mas uma resposta apenas foi dada em 8 de janeiro de 2010, três meses depois da votação. Na resposta, a assessoria de imprensa da entidade aponta que acredita que Weber foi “credenciado de último minuto, entre milhares de credenciais para o Congresso”.
No e-mail de 8 de janeiro de 2010, o COI admite que esse credenciamento “não deveria ter ocorrido”. Ainda assim, a entidade afirma que “não vê motivos para abrir uma investigação sobre o que, na pior das hipóteses, foi um erro administrativo”. “Entretanto, está claro que os procedimentos fossem seguidos, Weber não teria sido credenciado e tomaremos medidas para garantir que ele não seja credenciado de novo para eventos no COI”, garantiu.
AUSÊNCIAS – A polêmica sobre o Rio de Janeiro será, nesta semana, transferida para Lima, no Peru, onde o COI realiza a sua reunião anual a partir desta quarta-feira. Neste fim de semana, o presidente do COI, o alemão Thomas Bach, garantiu à agência Inside the Games que irá “tomar as medidas cabíveis” contra os membros cujos nomes forem identificados pela Justiça do Brasil e França.
Procuradores admitiram ao Estado que vão estar observando quais dirigentes da entidade evitarão fazer a viagem até Lima. Um deles, porém, anunciou neste domingo que está renunciando a seu cargo no Comitê Executivo do COI. Trata-se do irlandês Pat Hickey, que chegou a ser detido no Rio de Janeiro em 2016 sob a suspeita de fazer parte de um esquema de venda de ingressos.
Por mais de um ano, Patrick Hickey manteve o seu cargo no COI e insistiu que era inocente. Agora, optou por deixá-lo. Ao explicar para a imprensa, a entidade indicou que o gesto do irlandês teve como meta “proteger o COI e garantir que os interesses dos Comitês Olímpicos Nacionais sejam representados no Conselho”.
O fim de semana ainda foi marcado no COI pela chegada de mais uma carta do dirigente brasileiro Eric Maleson, principal testemunha no caso de compra de votos do Rio-2016. Na carta, ele chama a atenção de Thomas Bach ao “comportamento de pessoas dentro do COB” e alerta ao alemão de que já havia enviado tais advertências “há muitos anos”. “O mundo poderá julgar de forma dura nossa Família Olímpica pelas ações de nossos líderes esportivos. Mas quero garantir que eu e meus colegas apoiamos o estado de direito e o código de ética”, insistiu.