Rosemary Conceição dos Santos*
Por volta de1864, Hippolyte Taine, seguindo três pressuspostos ideológicos positivistas que existiram da segunda metade do século XIX e início do século XX, a saber, 1º) O que conta não é o sentido de uma obra, mas suas condições de sua produção; 2º) Não se deve tentar compreender a obra, mas examiná-la o mais friamente possível; e 3º) O texto literário não tem interesse por si mesmo, mas, sim, como documento da psicologia de um povo, do estado de espírito social ou da situação histórica de uma época, já apresentava, ao público, sua visão de como a História se relacionava com a Literatura. Ou seja, de que a História, de então, era considerada uma Ciência-modelo, na qual estudar uma atividade humana era estabelecer suas origens, causas e consequências, o que levava a apreciação de uma obra pelo “prazer do texto”, como diria Roland Barthes, mais tarde, a ser um desvio do espírito crítico de seu verdadeiro objetivo.
Taine até tentou aplicar esse esquema à literatura. Como? Considerando o escritor um ser movido por três forças principais, que eram: 1ª) a raça (disposições hereditárias), 2ª) o meio (clima, solo, circunstâncias políticas duráveis, condições sociais permanentes) e 3ª) o momento (a época em que se modificam essas forças iniciais). Dados, estes, que, segundo ele, poderiam explicar inteiramente uma obra. Entretanto, em 1903, Gustave Lanson proporá uma relação História e Literatura voltada a retratar a vida literária da nação, bem como, sua cultura e a cultura dos escritores que produziam na época, bem como, Lucien Febvre, em 1941, focará as relações da literatura com a vida social da época, ocupando-se do hábito, do gosto, da forma de escrever de então, bem como, das preocupações dos escritores com a vida política e transformações da mentalidade religiosa, para fazer da história literária um caso particular da história geral da sociedade, entendendo os textos literários como produtos sem caráter específico, que fornecem assunto sobre uma sociedade ou uma época da mesma forma que as correspondências, os testamentos ou os registros de cartório. O que houve, então?
O projeto de Lanson não foi levado adiante, uma vez que, uma obra não se reduz àquilo que a condiciona: ela se inscreve, certamente, num meio, e num determinado contexto, mas este meio, ela o preenche à sua maneira. Com isso, não tardou para que, na década de 1960, o interesse se voltasse para o funcionamento interno do texto, independentemente de sua matéria ser uma situação histórica, social ou estados de espírito. O que ocorria? Era a Linguística destronando a História de sua relação com a Literatura. Ou seja, enquanto Taine e Lanson se perguntavam de onde vem a obra literária, a crítica textualista se perguntava como a obra literária funcionava. Entretanto, há alguns anos, os problemas das relações entre Literatura e História começaram a ser colocados em outros termos. A Literatura não é mais considerada apenas um discurso fechado produto das circunstâncias históricas e, tampouco, se reduz a um sistema em funcionamento sem relação com o movimento histórico e social. A criação artística exerce, certamente, uma função social, mas é, ao mesmo tempo, um processo singular, com modos particulares de comunicação. Comunicação, esta, que pode ser colocada em relação com outras linguagens (cinema, jornalismo, filosofia, artes plásticas etc), desde que seja a partir de paralelismos e não, apenas, por simples analogia.
A Literatura, com seus princípios, e leis, diferentes dos da realidade exterior já inventoriada, trata-se de uma modalidade do imaginário que, não reproduzindo a realidade exterior, transforma-a, exprimindo o que nela está reprimido ou latente. A que isso nos leva? A verificar que Literatura e História não evoluem no mesmo ritmo. Às vezes, escritores ficam marcados por representações e ideologias anteriores àquelas que predominam em sua época. Em outros casos, os textos se antecipam aos acontecimentos, constituindo, então, uma forma de comunicação social que ainda não encontrou seu contexto.
Estudar as relações da Literatura com a História não significa, portanto, buscar na Literatura o reflexo da História, mas, sim, o imaginário possível desta mesma História.
Professora Universitária*