A história das infecções perde-se na escuridão dos tempos. Papiros, como o de Ebers e o de Edwin Smith, decifrados de inscrições feitas até 3.000 anos antes de Cristo, já relataram tratamentos de feridas infectadas realizados pelos egípcios. A ignorância quanto à origem das infecções e epidemias levava a “tratamentos” estranhos, sempre relacionados com a ideia de que a doença era causada por maus espíritos ou como castigo divino. Isso explica, por exemplo, a utilização de excrementos animais, e mesmo humanos, como recursos terapêuticos que buscavam, em última análise, “expulsar os demônios causadores da doença”.
Esse pensamento se relaciona com a existência das “farmácias de sujeiras” que começaram no antigo Egito, continuaram com grande prestígio na Idade Média e, para alguns tratamentos, atravessaram o século XIX, chegando ao início do século XX. Enquanto isso, epidemias de infecções dizimavam populações e as feridas contaminadas eram quase sinônimos de morte. A Bíblia Sagrada, no livro de Samuel, do Antigo Testamento, relata dramaticamente a epidemia depeste bubônica que dizimou a população da cidade filisteia de Asdod e matou mais de 50.000 pessoas em Bet-Chemech, apesar de terem destruído com fogo os veículos de transporte e animais que vieram de Asdod.
O uso do fogo era muito comum, já que se entendia que o ar carregava os demônios, ou o que fosse responsável pelas epidemias. Foram séculos e séculos de horror e morte por doenças infecciosas. A falta de conhecimentos fazia com que mudasse muito pouco o que os antigos médicos egípcios prescrevem para feridas infectadas: carne fresca, misturas à base de mel, soluções de sais de cobre e vários tipos de “misteriosas” ervas. É interessante o uso de favos de mel pelos antigos egípcios, já que hoje se sabe que eles contêm uma substância, a inibina, produzida pelas glândulas salivares das abelhas, que apresenta atividade antimicrobiana.
Os astecas obtinham resultados excepcionais em relação às feridas e cirurgias superficiais porque tinham o hábito da limpeza local das mesmas. A índole guerreira deste povo talvez tenha facilitado essa percepção em função dos ferimentos bélicos. E este aspecto foi publicamente reconhecido por Hernán Cortez, que, ao ser ferido nas mãos durante a conquista do México, preferiu ser cuidado pelos “médicos” astecas do que por aqueles trazidos da Europa na sua companhia.
A preocupação com as feridas esteve sempre presente, em função, principalmente, dos ferimentos de guerra. Hipócrates, que viveu de 460 a.C. a 370 a.C., recomendava a seus discípulos, na ilha de Cós, que lavassem as feridas com água fervida e vinho, trabalhando com mãos limpas. Galeno (131-201 a.C.) preconizava que as feridas fossem lavadas com vinho, suturadas com linho e cobertas com ataduras.
A partir daí pouco se evoluiu, sendo os tratamentos cirúrgicos evitados ao máximo, pois os resultados eram desoladores, uma vez que, quando o paciente não morria por hemorragia intra-operatória, acabava, na maior parte das vezes, morrendo por infecção. A situação perdurou até que, a partir da segunda metade do século XIX, o aprimoramento da anestesia e a compreensão das causas de infecção abriram caminho para o grande desenvolvimento da Cirurgia.