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‘Hebe – O Filme’ mostra como ela deixou de ser ingênua para se politizar

Andrea Beltrão alisa o cabelo loiro esticado para trás. O movimento provoca um chacoalhar das diversas pulseiras e ainda evidencia os anéis variados que se distribuem por seus dedos. No pescoço, descansam três colares de pérolas, cada um com sua cor, e, como destaque, uma delicada medalhinha com a imagem de Nossa Senhora. “Vou sentir falta de tudo isso quando terminarem as filmagens”, sorri ela, que ainda ostenta um vistoso vestido de seda escuro, com estampas douradas. Andrea está em seu camarim instalado em um estúdio de filmagem encravado na cidade de Barueri. Ali, ela gravou, na semana passada, as últimas cenas de Hebe – O Filme, o primeiro dos dois projetos que vão homenagear uma das maiores comunicadoras da televisão brasileira, Hebe Camargo (1929-2012) – o próximo será uma minissérie de dez episódios, a ser exibida pela Globo.

Os dois trabalhos serão dirigidos por Maurício Farias e, se o filme se concentra na década de 1980, quando a imagem de Hebe ganhou contornos mais políticos e polêmicos, a série vai narrar toda sua trajetória (e Valentina Herszage viverá Hebe dos 15 aos 25 anos). “Era uma mulher cativante e sempre disposta a se renovar”, conta Farias, fascinado pela senhora de cabelos loiros e riso escancarado, que semanalmente era aguardada por famílias brasileiras de todas classes sociais, plantadas diante da televisão. Um carisma que a própria Hebe colocou em questão nos anos 1980. “É o momento em que ela se coloca, que percebe que queria e devia trocar de postura. É quando Hebe começa a falar”, observa o diretor.

De fato, no final de 1979, quando estreou na TV Bandeirantes, Hebe não apenas voltou a trabalhar depois de cinco anos longe de seu hábitat natural, mas iniciava uma fase tão retumbante que nem ela esperava. “Hebe dizia que seu programa era cor de rosa e, ao receber cartas de espectadores pedindo emprego ou ajuda para comprar casa, ela cai na real – Hebe se politiza”, conta Andrea, que vive com afinco a mulher que, com a redemocratização ainda cambaleante, peitou deputados, acusando-os de corruptos.

Era 1987 e Hebe, conversando com o colunista Giba Um e o cineasta Anselmo Duarte, revelou-se indignada com os congressistas (à época, constituintes) que, além de faltarem em boa parte das sessões, aprovaram aumento salarial para políticos aposentados. Por pouco, o SBT não foi punido com suspensão. “E ela foi ameaçada de processo de calúnia e difamação por ninguém menos que Ulysses Guimarães que, com a pressão popular e da imprensa, acabou recuando”, lembra Andrea, impressionada ainda com posição libertária da apresentadora, especialmente ao defender abertamente causas favoráveis aos homossexuais em um momento em que o conservadorismo imperava.

“Sua principal característica era ser uma mulher aberta ao diálogo”, completa Farias. “Hebe teve a percepção de que isso era importante para sua imagem. Era uma grande comunicadora, comandando um programa semanal ao vivo, onde falava o que queria e se revelava por inteiro.” O diretor, aliás, percebe Hebe como uma mulher dominada por um profundo dualismo. “Ela tinha desejo de viver tranquilamente, mas algo a empurrava para o outro lado. Ela queria ser a dona do lar, mas era um furacão.”

Como seu apoio declarado a Paulo Maluf, político cuja carreira foi identificada com a direita e, pior, com a corrupção. Hebe fez campanha para o político em diversas eleições e o convidou muitas vezes para seu programa. “Ser malufista era o ponto mais longe da curva que caracteriza a vida de Hebe. Ela era de centro, conservadora, mas sabia quando devia mudar de opinião”, afirma Farias.

Hebe, na verdade, vivia um momento peculiar em sua vida. “Nos anos 1980, ela atinge seu limite, pois enfrentava um casamento problemático com o empresário Lélio Ravagnani e vivia em confronto com Marcelo, o filho adolescente. Hebe explodia em público, como alguém que chega ao limite”, observa Carolina Kotscho, roteirista do filme e da série. “Dividia seus sentimentos com o público, sem nenhum pudor.”

Carol lembra que, dividida entre o brilho da vida pública e a escuridão da dor privada, Hebe enfrentou o preconceito, o machismo, o marido ciumento, os chefes poderosos e a ditadura militar. “Como ela mesmo dizia, ‘Hebe não é de direita ou de esquerda. Hebe é direta’.”

É esse furacão que Andrea abraçou nas últimas semanas e que vai retomar em novembro, para gravar a série. A fim de facilitar a aproximação, ela utiliza o vestuário que pertenceu à própria Hebe. “São quase 900 peças, entre vestidos, sapatos, casacos e joias”, comenta a atriz que, como o telespectador que sempre se manteve fiel à apresentadora, nunca duvidou que Hebe Camargo sempre será uma gracinha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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