A Polícia Federal e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Ribeirão Preto deflagraram, na manhã desta sexta-feira, 6 de abril, a Operação Cadeia Alimentar, que investiga sonegação de impostos e fraude em licitações da merenda escolar em 32 cidades paulistas com a participação de empresários, fiscais da Fazenda estadual, servidores municipais e até políticos.
O empresário José Geraldo Zana, dono do frigorífico Mult Beef, com sede em Brodowski, foi preso por suspeita de fraudes em licitações de merenda escolar em 32 municípios paulistas. Açougueiro até o final dos anos 1990, desde que abriu o frigorífico ele fechou 130 contratos com o poder público, no valor total de R$ 184 milhões, segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).
Na coletiva de imprensa, realizada no final da manhã desta sexta-feira (6), na sede do Ministério Público Estadual (MPE), foi esclarecido pelos promotores e policiais federais que as investigações começaram em 2015, quando receberam a primeira denúncia. A informação indicava que alguns fiscais da Secretaria da Fazenda de São Paulo aceitavam propina para “relativizar” os verdadeiros valores dos impostos devidos pela empresa. A ação criminosa acontecia desde 2011
O Gaeco, vinculado ao Ministério Público, e a Corregedoria da Receita Estadual apuraram que R$ 32 milhões em impostos não foram legalmente recolhidos, configurando sonegação. Os promotores acreditam que José Geraldo Zana pagou R$ 1 milhão de propina para subornar três fiscais da Fazenda do Estado.
O promotor Frederico de Camargo, do Gaeco, disse que “boa parte foi paga em dinheiro, em envelopes. Em contrapartida, ignoravam parte do que foi constatado de irregular e autuaram apenas uma pequena fração. O que deveria ser uma multa de R$ 32 milhões acabou sendo algo próximo de R$ 500 mil”, comentou.
No transcorrer da investigação, a força-tarefa formada pela PF e pelo MPE descobriu que José Geraldo Zana fraudava licitações de prefeituras paulistas especialmente para alimentos destinados à merenda escolar e que seriam distribuídos depois pelos municípios em forma de cestas básicas. Frederico Camargo disse também que “o avanço das investigações revelou-se não apenas um episódio isolado de fraude fiscal e corrupção de agentes, mas um sistemático e frenético esquema de cartel entre empresas, e trapaças de licitações em prefeituras no estado”, mencionou.
Camargo explicou que a maioria desses contratos de merenda escolar foi saldada com verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a investigação foi distribuída para a condução também da Polícia Federal. Jose Geraldo Zana, além da Mult Beef, teria participado de fraudes com mais quatro empresas que pertencem a ele, mas estão registradas em nome de outras pessoas – “laranjas”, segundo a força-tarefa.
O delegado Daniel Vizicatto, da PF, comentou que “esse empresário é o principal alvo da operação por conta de ter aberto empresas em nomes de ‘laranjas’ e, inclusive, ter concorrido com elas em alguns certames. Ele organizou e, quando concorria com as empresas dele, era o mentor”, disse. José Geraldo Zana também virou “sócio” de outras seis empresas do ramo alimentício, principalmente frigoríficos, para fraudar as licitações em 32 municípios paulistas.
“As fraudes consistiam na combinação de preços dos produtos, na divisão de itens do edital e, algumas vezes, foi verificada também a inclusão de exigências no edital para privilegiar as empresas investigadas”, relatou o delegado da PF. As investigações prosseguem.
Os agentes da PF investigam a participação de servidores públicos municipais e políticos nas fraudes identificadas em Aguaí, Altinópolis, Americana, Barretos, Cubatão, Guaíra, Guariba, Guarulhos, Iperó, Itápolis, Jaboticabal, Jandira, Jarinu, Limeira, Luiz Antônio, Mirassol, Mococa, Orlândia, Paulínia, Peruíbe, Pirassununga, Pontal, Promissão, Santa Rosa de Viterbo, Santa Bárbara d’Oeste, Santos, São Carlos, São Joaquim da Barra, São Roque, São Vicente, Sorocaba e Vargem Grande do Sul.
O delegado superintendente da Polícia Federal Ribeirão Preto, Edson Geraldo de Souza, explica a corporação terá trabalho. “Temos que analisar todos os documentos apreendidos e reunir, no menor tempo possível, os autos dos processos licitatórios para verificar os elementos que cada um contém”. Um suspeito foi preso em São Paulo, outro em Itápolis e um terceiro em São José do Rio Preto. Uma mulher foi detida em Batatais e mais quatro pessoas em Ribeirão Preto, incluindo Zana, encontrado em casa, na Zona Sul, e os três fiscais.
Eles foram afastados das funções por determinação da Justiça. Não ficaram presos, mas devem responder criminalmente por prevaricação, corrupção ativa e passiva, ainda de acordo com os promotores estaduais. Frederico de Camargo explicou que “eles estão respondendo a uma ação cautelar junto à Justiça de Brodowski. Estão sujeitos, inclusive, a serem presos, caso qualquer tipo de desvio venha a ser identificado nessa segunda etapa ostensiva das investigações”, diz.
Vinte e nove mandados de apreensão foram cumpridos nesta sexta-feira. Foram apreendidos R$ 170 mil, três mil euros e US$ 2 mil pelo Ministério Público. Os policiais federais apreenderam R$ 200 mil. Em um único imóvel foram apreendidos R$ 90 mil em dinheiro. A Justiça Federal determinou a apreensão dos bens dos suspeitos. A Promotoria de Justiça e o Gaeco instaram uma ação civil pública contra os fiscais da Fazenda estadual por suspeita de improbidade administrativa e pedem o ressarcimento de R$ 90 milhões aos cofres públicos.
A Mult Beef informou em nota que não vai se manifestar sobre o caso. Também em nota, a Secretaria da Fazenda informou “que não compactua com práticas ilegais, que desde 2015 investiga os três fiscais apontados na reportagem por meio da Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp). Se as acusações sejam confirmadas, os servidores públicos envolvidos serão demitidos.”