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Grande vitória dos povos originários no STF! Mas a guerra continua

José Antônio Lages * 
 
O STF derrubou o marco temporal de terras indígenas no último dia 21/09, dando “um passo indispensável para se elevar o grau de civilização da sociedade brasileira”, como afirmou Paulo Moreira Leite no 247. Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual esses povos originários têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na justiça em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da nossa atual Constituição. A decisão do Supremo representa uma rara iniciativa que poderá alterar essa situação para as novas gerações de uma nação que precisa acertar contas com seu passado e com o seu destino. Nas o Senado, na última quarta-feira, reagiu, aprovando um projeto de lei justamente no sentido contrário. 
 
A decisão do STF foi um reconhecimento histórico do direito desses povos sobre as terras por eles habitadas, depois de mais de cinco séculos de violência permanente e vergonhosa impunidade. Definitivamente, a construção ideológica do famigerado “descobrimento” foi por água abaixo. Tivemos, sim, uma invasão, uma conquista, dessas terras pelos colonizadores. Não cabe aqui falar em reescrever a história, como quer a extrema-direita, mas reconhecer institucionalmente a necessidade de reparação, uma política afirmativa de direitos que ainda podem ser preservados e garantidos em lei. O Supremo reconheceu isso agora! Que assim permaneça! 
 
Houve toda uma política de silenciamento do massacre dos povos indígenas desde a chegada de Cabral e a carnificina perpetrada pelos “bandeirantes”. E mais recentemente também. Um relatório de 7.000 páginas, encerrado em 1967 pelo promotor público Jader de Figueiredo Correa, é considerado o mais completo levantamento histórico sobre as populações indígenas do país. Ele permaneceu fora de circulação por quarenta anos, guardando relatos sobre escravização de tribos inteiras, maus tratos e torturas, sem falar no roubo de suas terras.  
 
Os dois ministros bolsonaristas votaram a favor dessa infâmia. Era de se esperar. Ao recusar unanimidade de votos em sua decisão, o Supremo deixa uma séria advertência. Como escreveu Moreira Leite, “ficou um caminho aberto para novos recursos e questionamentos, que envolve os interesses de uma riqueza imensa mas invisível, que desde sempre mantém uma ampla influência sobre os rumos do país. Mesmo derrotada,
essa força reacionária em atividade em vários setores do país mantém músculos econômicos e políticos para tentar paralisar avanços essenciais à formação da nação brasileira, plural pela natureza e pela história.
 
 
Isso porque ficou em aberto possível indenização de não-indígenas que ocupam terras indígenas que venham a ser demarcadas. Essa questão foi trazida no voto do ministro Alexandre de Moraes, defendendo que seja estabelecida uma compensação como condição prévia para as demarcações. A União não teria orçamento para pagar compensações em todos os casos de disputa. Isso inviabilizaria as demarcações. Vale lembrar que, com a abolição, os senhores de escravos queriam ser indenizados por perderem a sua mão de obra. Talvez estejamos diante de um julgamento tão simbólico e civilizacional para o país que novamente se decide se os escravocratas invasores de terras públicas terão direito a indenização”, diz Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). 
 
A repercussão internacional dessa decisão do Supremo foi imensa. O Le Monde afirmou que “o processo do século é vital para a manutenção dos territórios indígenas e para o combate às mudanças climáticas”.  Já Fiona Watson afirmou no jornal português O Público: “Esta é uma vitória histórica para os povos indígenas do Brasil e uma grande derrota para o lobby do agronegócio. Também o jornal espanhol El País: “De novo, neste Brasil, polarizado, os dois juízes que votaram a favor da tese do agronegócio são os nomeados por Jair Bolsonaro, de extrema-direita, que se recusou a demarcar um centímetro de novas terras para os nativos ou para a biodiversidade. Uma importantíssima batalha foi vencida, mas a guerra contra os povos originários continua, haja vista a decisão do Senado. Acompanhemos! 
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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