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Gonzaguinha e o comportamento geral

Criado pelos padrinhos Dina e Xavier, no Morro de São Carlos, após a morte da mãe de tuberculose, enquanto o pai Luiz Gonzaga percorria o país fazendo shows, Gonzaguinha cresceu levando vida de moleque, entre sambas e boleros. Aos 14, teve tuberculose e compôs sua primeira música, “Lembrança de primavera”, que Gonzagão gravaria mais tarde. Aos 16, franzino e questionador, foi viver com o pai e a madrasta na Ilha do Governador, com quem tinha uma convivência turbulenta. Estudante de Economia, na universidade ele encontrou seus parceiros nas músicas e nos festivais universitários, onde pôde iniciar a sua carreira artística.

Um deles foi Ivan Lins, que conheceu em 1968, num festival. Além de grande amigo, compadre e aluno de música (Gonzaguinha o ensinou a ler cifras musicais), Ivan também foi um dos seus poucos parceiros. Ivan descreve assim seu querido parceiro: “o Gonzaguinha era muito contundente nos textos, falava muito por meias palavras, mas batia mes­mo. Mas ele me influenciou mesmo foi pela forma como harmonizava as suas músicas. Quando me ensinou a ler cifras, ele dava exemplos no violão e mostrava alguns acordes que eu nunca tinha usado. Gonza­guinha foi um dos compositores mais brilhantes que tivemos, tanto melódica quanto harmonicamente.”

Ele tinha uma maneira elegante de escrever, mas que também era acessível para o povo. Uma das músicas de resistência à ditadura militar, feita em pleno vigor do AI-5, foi “Comportamento Geral”. Essa música foi carro chefe de um dos primeiros compactos lançados por Gonza­guinha, em 1972, pouco depois de ter criado o Movimento Artístico Universitário com Ivan Lins e Aldir Blanc.

Bruno Taurinho, no seu artigo, “Gonzaguinha – Comportamento Geral” diz que o single passou aquele ano encalhado nas lojas de discos do Brasil e a situação só mudou em 1973, quando o músico carioca foi convidado a se apresentar no programa de Flávio Cavalcanti, em um quadro em que os jurados quebravam o compacto do artista se não gostassem da música. E foi o que fizeram. Consideraram uma audácia Gonzaguinha cantar uma crítica tão pesada à ditadura no auge do AI-5 de Médici, sentiram medo e o acusaram de terrorista, sugerindo o exílio.

O tiro saiu pela culatra e, na semana seguinte, o compacto vendeu 20 mil cópias. E é fácil perceber porque “Comportamento Geral” causou reações tão calorosas em um programa tradicional da TV brasileira que não queria ter problema com os militares. Usar a música pra falar da realidade cruel do brasileiro não era, entre os grandes nomes da MPB, exclusividade de Gonzaguinha, a diferença é que ele tinha vivido essa realidade como poucos durante a juventude no morro de São Carlos, e “que não tem mais tutu e dizer que não está preocupado” é a frase que abre a música e que apresentou Gonzaguinha para o Brasil. “Você deve estam­par sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado” é um verso que poderia substituir o “Ordem e Progresso” da nossa bandeira que ninguém iria reclamar, até porque reclamar não é muito do nosso feitio.

O medo, a complacência e a passividade do brasileiro diante de um regime extremamente opressor que tornava o povo mais pobre ao mesmo tempo em que anunciava um “milagre econômico” são cantados sem metáfora e a ironia fica só no refrão, em que Gonzaguinha repete: “você merece”. Merece o quê, cara pálida?

O Carnaval só dura uma semana e, no fim, tudo segue como está. “Comportamento Geral” incomodou e machucou porque era verdade. E ainda incomoda e machuca porque segue sendo verdade. Escrever, em 1972, uma música que continua atual 45 anos depois é um gran­de feito de Gonzaguinha e isso é bom, pois ele merece estar na nossa história. O ruim disso é que é muito provável que essa canção seja eternamente atual.

Salve Gonzaguinha, e como ele disse na sua música “É!”: a gente quer viver pleno direito, a gente quer viver todo respeito, a gente quer viver uma nação, a gente quer ser um cidadão.

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