Adalberto Luque
O jovem de 21 anos foge um pouco ao padrão das vítimas. Geralmente são empresários de classe média e média alta, em busca de aventuras sexuais com mulheres que conhecem através de aplicativos de relacionamento. Mas ele acabou sendo mais uma das vítimas do chamado “Golpe do Amor”.
Morador de Minas Gerais, desembarcou em Ribeirão Preto no dia 23 de setembro de 2022 ansioso para encontrar uma mulher que havia conhecido pelo aplicativo. Tinha marcado um encontro. Ela insistiu que fosse à noite.
O jovem foi até o ponto de encontro, mas não encontrou a mulher. Lá estavam dois homens armados, que o colocaram dentro de um carro e o levaram a um cativeiro. Passou a noite com os criminosos.
Só foi liberado após um amigo fazer uma transferência via Pix, no valor de R$ 4 mil para a conta fornecida pelos sequestradores.
O Pix é um instrumento criado em 2020 que facilita transferências bancárias. Mas que também despertou a “criatividade” dos criminosos.
Depois de receberem R$ 4 mil, os homens deixaram o jovem no aterro sanitário. Na época, a Delegacia de Investigações Gerais da Divisão Especial de Investigações Criminais (DIG/DEIC) conseguiu prender dois envolvidos. Chegaram ao cativeiro, uma casa que servia também como um minilaboratório de refino e fracionamento de drogas.
Aumento
O jornal Estado de São Paulo obteve dados de extorsões mediante sequestro na Secretaria da Segurança Pública (SSP) através da Lei de Acesso à Informação. De acordo com esses dados, o total de sequestros no Estado, em 2022, atingiu o maior número em 15 anos.
O estudo foi feito com dados registrados entre janeiro e setembro do ano passado, em comparação com os dados obtidos durantes os 12 meses dos anos anteriores. Houve 165 registros entre janeiro e setembro de 2022. O último pico havia sido registrado em 2007, com 323 casos naquele ano.
O Pix pode ter contribuído para a alta nos casos de extorsão mediante sequestro, dada a facilidade para desviar dinheiro através da ferramenta. A rapidez com que se obtém dinheiro acaba facilitando a prática criminosa.
Perfil das vítimas
O perfil das vítimas também mudou. São homens, entre 35 e 45 anos, das classes média e média alta, geralmente pequenos e médios empresários. Antes os sequestradores raptavam alguém da família e negociavam com interlocutores ou com o próprio responsável pelo pagamento do resgate, em um processo que poderia durar vários dias e até semanas.
Com o Pix, os criminosos criaram o “Golpe do Amor”, em que a vítima é atraída para um suposto encontro sexual com uma bela mulher, mas ao chegar lá, é rendida e levada para um cativeiro. Mantida refém por apenas algumas horas – o tempo necessário para que os sequestradores obtenham um ganho rápido. Depois que as transferências são feitas, as vítimas são liberadas.
Na capital
Um empresário de Ribeirão Preto acabou sequestrado ao viajar para a capital. Ele havia conhecido uma mulher através de um aplicativo de relacionamento. Marcou um encontro e foi até o local, no dia 1º de agosto de 2022.
Iriam se encontrar em uma rua no bairro do Jaguaré, Zona Oeste de São Paulo. Ao chegar, a mulher não estava. A situação foi parecida com a ocorrida em Ribeirão Preto. Em seu lugar havia dois homens armados. Eles renderam o empresário e seguiram para o cativeiro.
Só foi solto depois que os criminosos conseguiram cerca de R$ 200 mil, em transferências feitas através de Pix e TED, outra ferramenta disponibilizada pelos bancos. Menos de uma semana depois do sequestro, policiais civis de São Paulo conseguiram prender os dois chefes da quadrilha.
A organização criminosa tinha funções específicas para cada membro. Os dois chefes eram os responsáveis por selecionar possíveis vítimas em redes sociais. Também forneciam carro, arma e local de cativeiro. Uma mulher fazia os contatos com a vítima e falava através de mensagens de voz enviadas por aplicativo.
Havia o motorista e dois homens para render a vítima. E havia os responsáveis pelo cativeiro, por ameaçar. Enquanto o homem estava em poder dos sequestradores, os líderes do grupo passavam a madrugada simulando empréstimos que, ao amanhecer, caíam na conta bancária da vítima.
Então entrava em ação outro criminoso, responsável por ceder contas para transferência via Pix. No caso do empresário de Ribeirão Preto que foi vítima em R$ 200 mil, um dos responsáveis pela conta já havia sido identificado por já ter movimentado R$ 60 mil. Os responsáveis pela organização foram presos e os demais integrantes haviam sido identificados e seguiam sendo procurados.
Mais prisões e muito além do Pix
Se aumentaram os casos de extorsão mediante sequestro, aumentaram também as prisões. De acordo com levantamento do Estadão, a Divisão Antissequestro da Polícia Civil efetuou, em todo o Estado, 138 prisões em 2021 e, no ano passado, a quantidade de presos foi mais que o dobro: foram 303. De acordo com os registros da SSP, mais de 90% das investigações sobre sequestro incluem o “Golpe do Amor”.
Na região de Ribeirão Preto, apenas um caso do “Golpe do Amor” foi registrado recentemente. Mas houve mais dois casos de sequestro. Um deles ocorreu em São Simão, no dia 22 de outubro de 2022. Um casal foi sequestrado e a mulher foi solta com a exigência de conseguir R$ 2 milhões para libertar o homem, que é músico e empresário.
Ele, todavia, foi solto dois dias depois sem pagamento do resgate. O mentor do sequestro teria sido morto em troca de tiros com a polícia e outras cinco pessoas foram presas e acusadas de participação.
Outro sequestro ocorreu em Ribeirão Preto, no dia 9 de novembro do ano passado. Um casal foi sequestrado por uma quadrilha que exigiu o pagamento do resgate em bitcoins, as criptomoedas. O marido foi solto e providenciou a transferência de bitcoins, num total de R$ 2,5 milhões.
Um dos participantes do sequestro mora em um condomínio de alto padrão na cidade, onde foi preso por extorsão mediante sequestro. Outros participantes são do Ceará, Maranhão e Tocantins.
Números podem ser maiores
O crescimento verificado pelo Estadão assusta. Mas o número de vítimas de extorsão mediante sequestro pode ser ainda maior. O Código Penal determina que o sequestro relâmpago, sem acionar terceiros, é classificado como extorsão qualificada (artigo 158). Mas se houver contato com terceiros, mesmo que por telefone, é enquadrado no artigo 159, como sequestro mediante extorsão. A forma como se dá o enquadramento pode representar redução nos casos de extorsão mediante sequestro.
Outra situação é que algumas vítimas acabam se sentindo constrangidas e nem registram a ocorrência. A subnotificação também deve ser considerada nesses casos. Para evitar correr riscos, o ideal é ser discreto nas redes sociais e sempre desconfiar.
Rever legislação penal
O tenente coronel aposentado e especialista em segurança pública, Marco Aurélio Gritti, defende cautela ao marcar encontros. “Prefira local e horários que dificultem a ação criminosa, devido à segurança ou monitoramento por câmeras, como shoppings ou restaurantes. Ao combinar o encontro, importante propor vídeo chamada no sentido de se conhecer a pessoa a ser encontrada”, avalia.
Gritti observa que criminosos se adaptam a tudo para praticar golpes e crimes. “O Pix ainda carece de mecanismos de proteção ao usuário que dificultem o crime, como restringir os saques imediatos em transferências recém realizadas e maior fiscalização na abertura de contas.”
Também defende uma discussão da atual legislação penal, propondo reanalisar benefícios que estimulem a reincidência, como “progressão de regime, saidinhas e visita íntima. Além disso, ampliar a responsabilidade das instituições bancárias contribuiria para minimizar os riscos”, conclui Gritti.
SSP: 90% dos casos foram esclarecidos
A reportagem do Tribuna Ribeirão insistiu junto à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para entrevistar uma autoridade policial, mas a assessoria da pasta não autorizou e se manifestou por nota.
“As ações no combate às extorsões mediante sequestro, principalmente envolvendo transações por meio do Pix foram reforçadas. A SSP convocou instituições bancárias para participarem desse debate, construindo assim uma solução em conjunto para essa nova modalidade criminosa. O Dope tem a Divisão Antissequestro, que é composta por três delegacias que investigam e combatem esse crime. Também foi criado pela divisão um grupo de inteligência para mapeamento e identificação das principais organizações. Em 2022, a DAS prendeu 303 autores e esclareceu 104 dos 115 inquéritos instaurados pela divisão – o que corresponde a 90% de esclarecimento.”