Por Mariane Morisawa, especial para o Estado
O Globo de Ouro, cuja 77ª edição será realizada neste domingo, 5, com transmissão a partir das 21 h na TNT, premiando filmes e séries de televisão, não tem tanta importância quanto o Oscar ou o Emmy. E, diferentemente do clichê, não é prévia de nada, já que seus membros, cerca de 90 pessoas, são jornalistas estrangeiros baseados em Los Angeles e não votam no Oscar.
Mas, sem dúvida, é a festa mais divertida da temporada de premiações. Há bebida correndo solta nas mesas dos concorrentes, e um jantar é servido – este ano, o cardápio é todo baseado em vegetais, porque é mais sustentável, cai bem na indústria e faz um agrado a veganos como Joaquin Phoenix, candidato a melhor ator dramático por Coringa. A Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood também tende a privilegiar as grandes estrelas nas indicações. Neste ano, a lista conta com Scarlett Johansson, Cate Blanchett, Leonardo DiCaprio, Jennifer Lopez, Tom Hanks, Al Pacino, Brad Pitt, Jennifer Aniston, Reese Witherspoon, Nicole Kidman, Meryl Streep e Michael Douglas. Ricky Gervais, que volta como mestre de cerimônias, promete enrubescer ou enfurecer alguns deles com seus comentários ácidos e muitas vezes maldosos.
Duas que têm tudo para tirar as piadas de letra – ou responder à altura – são a australiana Margot Robbie e a sul-africana Charlize Theron, de O Escândalo, filme de Jay Roach que estreia no Brasil na quinta, 16.
“Concorrer, para mim, é só o glacê do bolo”, disse Robbie, indicada ao prêmio pela segunda vez depois de Eu, Tonya – desta vez como coadjuvante. Charlize Theron, candidata na categoria principal e que compete pela sexta vez (ganhou por Monster – Desejo Assassino), emendou com bom humor: “E, para mim, é mais a cereja do bolo”. “É um reconhecimento do esforço de todo o mundo envolvido no filme, que trabalhou tão duro”, completou, diplomaticamente.
Theron, Robbie e Nicole Kidman (que não concorre pelo filme, mas pela série Big Little Lies) se juntaram para contar uma história real – e recente. Em 2016, o CEO da Fox News, Roger Ailes (interpretado por John Lithgow), foi afastado da empresa por assédio e abuso sexual, com denúncias vindas de algumas de suas maiores estrelas, como as âncoras Megyn Kelly (Theron) e Gretchen Carlson (Kidman). Robbie interpreta uma jovem produtora começando na empresa e representa uma combinação de várias mulheres impedidas de falar por causa de contratos de confidencialidade. A conta dos acordos com as mulheres atacadas por Ailes passa dos US$ 45 milhões.
Quando o roteiro de Charles Randolph chegou à Denver and Delilah, a produtora de Charlize Theron, não houve hesitação, segundo a atriz, mesmo sendo um tema ainda em desenvolvimento – a morte de Ailes em 2017 não deu fim às acusações na Fox News e em outros canais. “Nós todos vimos a força de fazer este filme agora. Estamos no calor do debate, não é algo que aconteceu 20 anos atrás. Está ocorrendo agora.”
A dúvida veio depois: ela não sabia se gostaria de interpretar Megyn Kelly, que tem uma imagem e uma voz muito conhecidas nos Estados Unidos. Mas alguns encontros com o maquiador prostético Kazu Hiro, o mesmo que transformou Gary Oldman em Winston Churchill, a convenceram de que era possível ficar parecida com a jornalista. Só que também havia a questão da controvérsia em torno de Kelly, que não trabalhava na Fox News à toa e era dada a fazer comentários preconceituosos, dizendo por exemplo que era um absurdo cogitar um Papai Noel negro e que não havia problema em um branco pintar o rosto de negro se fosse uma fantasia de Halloween – algo inaceitável na sociedade americana hoje.
Para Theron, mãe de duas crianças negras, foi particularmente complicado. “Eu percebia que não estava me entregando totalmente ” Coube ao diretor Jay Roach lembrá-la de que não se tratava de um filme sobre Megyn Kelly. “Ele me falou: É só um ano na vida dela, vamos compartimentar”, contou a atriz.
A ideia era que o filme tivesse nuances, mostrando, por exemplo, como Ailes ainda é admirado por várias dessas mulheres. E que muitas das mulheres têm reações difíceis de compreender. “A versão preta e branca dessa história é muito mais fácil de entender: um predador é um predador, a vítima diz não ou é atacada”, disse Theron. “Mas agora que estamos prestando mais atenção, ouvimos histórias de vítimas que voltam a quem estão acusando, que trocam e-mails com eles, o que deixa menos claro se são ainda vítimas.” Dizer apenas que as mulheres poderiam se levantar e sair da sala não dá conta da complexidade do assunto. “Não é tão simples. Muitas mulheres não sabem como reagir na hora”, afirmou Theron.
Margot Robbie, cuja personagem tem a interação mais explícita com Ailes, também acha que as coisas são complicadas. “No começo, ela nem reconhece que está sofrendo assédio sexual. Ailes era inteligente, ele levava as mulheres um passo além do que se sentiam confortáveis e recuava. Mas na vez seguinte dava um passo além. Ia piorando aos poucos. As mulheres se sentiam cúmplices, envergonhadas, eram colocadas umas contra as outras, e ele ameaçava suas carreiras.”
Como produtora, Theron quis ter o cuidado de não fazer um filme apenas para progressistas. “Eu quero que as pessoas enxerguem o assunto como algo não partidário. É uma questão humana: as mulheres, não importa onde, devem se sentir seguras.” Em Hollywood mesmo, afinal, não faltaram denúncias de assédio sexual e abuso. “Muita gente está repensando o que é aceitável e o que não é no ambiente de trabalho. Homens inclusive, o que é fundamental. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.