A chamada “solução de dois Estados” recebeu ampla manifestação de apoio durante o encontro fechado de chanceleres no Rio, como notaram os representantes dos Estados Unidos, Antony Blinken, e da União Europeia, Joseph Borrell. Ao todo 30 países e 15 organizações internacionais enviaram representantes.
Principal aliado de Israel na arena global, os Estados Unidos reagiram positivamente aos discursos no plenário. O governo Joe Biden já havia passado a pressionar o premiê israelense Binyamin Netanyahu em favor da criação do Estado palestino quando a guerra contra o Hamas, na Faixa de Gaza, terminar.
“Vejo que temos um virtual consenso sobre a necessidade de criação do Estado Palestino”, disse na primeira sessão de debates o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, segundo relataram ao Estadão dois diplomatas brasileiros que assistiram aos discursos. O governo americano não divulgou o teor das declarações de Blinken.
Pouco antes, ele se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília. Blinken e o petista concordaram na necessidade de estabelecer a soberania palestina sobre seus territórios. Na ocasião, o enviado do presidente Joe Biden disse ao presidente que os Estados Unidos discordam da declaração dele comparando o ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. Lula fez a comparação e citou Hitler ao encerrar viagem ao Egito e Etiópia, no domingo passado.
Na mesma missão ao exterior, Lula disse na Liga Árabe que “não haverá paz enquanto não houver um Estado palestino, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital”. Esse é um posicionamento histórico do Brasil.
A unanimidade em favor da “solução de dois Estados” foi o maior avanço diplomático nas discussões geopolíticas do G20 no Rio, segundo dois diplomatas brasileiros. A dificuldade é ressuscitar a ideia de um Estado palestino, uma discussão que está congelada desde 2013.
União Europeia -Alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Joseph Borrell concordou que também via posicionamento unânime na plenária de chanceleres do G20 em favor do Estado da Palestina. Borrell sugeriu então que a questão deveria ser encaminhada e pautada na Assembleia Geral da ONU e no Conselho de Segurança.
“Caros ministros, podemos discordar sobre a Ucrânia, mas concordamos sobre a necessidade de uma solução de dois Estados para o conflito Israel-Palestina. E se há um consenso de que apenas uma solução de dois Estados resolverá este conflito – conflito demasiado duradouro -, então precisamos redobrar os nossos esforços para implementar esta solução”, di sse Borrell.
“Se reafirmarmos este objetivo aqui hoje, todos nós, precisamos trabalhar na forma de o alcançar. Precisamos de um quadro e qual seria melhor do que as Nações Unidas? O Conselho de Segurança pode fornecer este quadro reconhecendo o princípio da solução de dois Estados através de uma resolução unânime que poderia dar-lhe legitimidade internacional.
O representante europeu pediu ao ministro Mauro Vieira, chanceler brasileiro que falará em nome dos países do G20, que comunique abertamente que “o G20 apoia esta solução de dois Estados”.
Segundo Borrell, os conflitos não só em Gaza, mas também a escalada de violência na Cisjordânia impedem a criação do Estado da Palestina. Ele afirmou que a situação deixa alarmados os países europeus.
“Não se trata apenas de Gaza, trata-se também da Cisjordânia. A Cisjordânia está em ebulição. Os colonos extremistas atacam indiscriminadamente os civis palestinianos. O que está acontecendo na Cisjordânia é o verdadeiro obstáculo, bem, há muitos obstáculos, mas este é um obstáculo importante, à solução de dois Estados”, alertou Borrell.
Embora possa alcançar acordos e tenha discutido como encaminhar controvérisas geopolíticas, o G20 é um fórum apenas de discussões, essencialmente econômico-financeiras, e não possui qualquer poder de impor decisões. Não ficou claro, porém, como os países conseguiriam coordenar esforços nesse sentido.
O cessar-fogo, bloqueado por três vezes pelos EUA em votações no Conselho de Segurança da ONU, também esteve presente em parte dos discursos. Borrell disse que a “catástrofe humanitária” em Gaza deve acabar.
O fim da ocupação, considerada ilegal pela maior parte da comunidade internaiconal, de territórios palestinos por colonos judeus, na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A tensão entre colonos judeus e civis palestinos, com aumento da violência, preocupa o Brasil e foi levada ao conhecimento do governo israelense.
Israel rejeita a criação do um Estado da Palestina formalmente após o fim da guerra. Parlamentares israelenses votaram favoravelmente à decisão do governo de rechaçar a proposta. Netanyahu já afirmou, em 2015, que enquanto governar Israel não haveria a criação de um Estado palestino.
O governo Binyamin Netanyahu afirma que isso colocaria em perigo o povo judeu, e a existência de seu país. A chancelaria israelense afirma que não vê credibilidade tampouco uma liderança com legitimidade da Autoridade Nacional Palestina para administrar os territórios de forma autônoma.
O objetivo militar declarado de Tel Aviv é exterminar o grupo terrorista Hamas. O governo Netanyahu exige, antes de colocar solução de dois Estados na mesa, que a milícia libanesa Hezbollah – apoiada pelo Irã, assim como o Hamas – afaste-se da fronteira israelo-libanesa ao Norte.
O primeiro-ministro vem sendo intensamente cobrado a abandonar o plano de uma incursão terrestre na região de Rafah, ao Sul de Gaza, onde concentram-se cerca de 1,5 milhão de refugiados.
Mesmo países que são apoiadores do governo israelense e falaram sua defesa, como EUA e Reino Unido, passaram recentemente a reconhecer a necessidade de criação do Estado Palestino e a exercer pressão.
O chanceler britânico, David Cameron, já disse que Londres considera reconhecer a existência do Estado da Palestina na ONU, segundo ele uma forma “irreversível” de encaminhar o fim da guerra em curso no Oriente Médio.
Diplomatas europeus também reportaram como o resultado mais positivo a manifestação unânime em favor da chamada “solução de dois Estados” – a coexistência de um Estado Palestino com o Estado de Israel, com fronteiras internacionalmente reconhecidas – como caminho para a paz.
“Se todos aqui concordamos, então a questão está resolvida”, disse o chanceler norueguês, Espen Barth Eide. “Fiquei muito satisfeito em ver que todos os membros do G20 e quase todos os demais que discursaram hoje disseram que desejam uma solução de dois Estados. Eu disse que uma coisa é dizer que deseja, outra coisa é discutir como chegar lá.”
O ministro das Relações Exteriores da Noruega sugeriu que seja feito um plano abrangente que inclua o “fortalecimento de instituições palestinas” alternativas Hamas, como o Fatah, a Autoridade Nacional Palestina e a Organização Para Libertação da Palestina (OLP). Afirmou ainda que esse “pacote abrangente” deve envolver a estabelecimento de relações entre Israel e Arábia Saudita, entre outros países árabes.
“Precisamos de uma Autoridade Palestina mais forte. Quase ninguém apoiaria uma Palestina controlada pelo Hamas. Precisamos fortalecer as instituições palestinas e suas forças políticas”, disse Espen Eide.
Aliados dos Estados Unidos e rivais do Irã, os sauditas condicionam a criação de um Estado palestino à normalização de relações diplomáticas com Israel. O chanceler saudita, príncipe Faisal bin Farhan al Saud, apelou para que os membros do G20 “pressionem por ações significativas para acabar com a guerra e apoiem um caminho crível e irreversível para uma solução de dois Estados”.
Histórico – A criação do Estado da Palestina foi pensada há 75 anos. Após a 2ª Guerra Mundial, as Nações Unidas receberam dos britânicos a responsabilidade pelo território partilhados entre israelenses e palestinos. A região era dominada pela Grã-Bretanha desde o fim da 1ª Guerra Mundial.
Em 1947, a Assembleia Geral da ONU recomendou a divisão da região da Palestina entre judeus e árabes. No entanto, somente o Estado de Israel seria criado como previsto. Em 1967, Israel ocupou militarmente a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e a Jerusalém Oriental, após a Guerra dos Seis Dias, da qual saíra vitorioso. Os territórios eram controlados até então por Egito e Jordânia.
A ONU determinou a desocupação, mas Israel expandiu cada vez mais as colônias judaicas. Em 2005, Israel deixou a Faixa de Gaza, mas manteve um cerco ao enclave palestino, controlando os acessos e o fluxo de pessoas e mercadorias. Rival do Fatah, o Hamas assumiria o controle em Gaza dois anos depois. O grupo terrorista defende a extinção do Estado de Israel.