Por Pedro Ramos
A forte presença de investidores dos Estados Unidos já é uma realidade no futebol mundial. Nas cinco principais ligas europeias já são 19 clubes com donos americanos, em especial na Inglaterra e Itália. Com a Lei da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) em 2021, o futebol brasileiro também integrou esse movimento, com o “desembarque” de empresas da Flórida no País.
Enquanto o milionário americano John Textor comprou as ações do Botafogo, o Vasco assinou um acordo com a empresa 777 Partners. A Kapital Football, do empresário Joseph DaGrosa, sócio minoritário que acentuou a crise financeira do Bordeaux, da França, entre 2018 e 2019, negociou com o América-MG, mas as partes não chegaram a um entendimento.
Tanto Textor quanto a 777 Partners também são donos de clubes europeus e integram o movimento crescente chamado “Multi Club Ownership”, em que se cria uma rede de vários times de futebol pelo mundo. Ambos adquiriram recentemente equipes da Bélgica (Molenbeek e Standard Liège). Textor possui ainda ações no Crystal Palace, da Inglaterra, e a 777 Partners é dona do Genoa, da Itália, além de ser sócia minoritária do Sevilla, da Espanha. “Olhamos times de mercados que têm possibilidade de crescimento”, disse o diretor da 777 Partners, Juan Arciniegas, ao Estadão.
Os motivos para investir no futebol brasileiro vão desde a fonte quase que inesgotável de talento, número grande de torcedores e a força do esporte no País, com agenda de janeiro a dezembro. A percepção do mercado internacional é de que se trata de uma liga subvalorizada e capaz de crescimento de receitas em todas as áreas. No entanto, a insegurança jurídica é um dos problemas apontados por especialistas em relação aos investimentos no futebol nacional.
Os novos investidores também vislumbram a possibilidade de obter um crescimento de receitas a partir de uma nova e lucrativa venda de direitos de transmissão do Brasileirão tocada por uma liga de clubes, independente da CBF, que ainda está se organizando e cujo trabalho só deve começar em 2025, quando os atuais contratos de TV chegam ao fim.
EXEMPLOS
Parte do sucesso da liga inglesa dentro e fora de campo foi acompanhada e impulsionada por lucrativas vendas de direitos de transmissão. Esse é um tipo de trampolim que investidores projetam tanto na Itália quanto no Brasil. Clubes bem estruturados, como Palmeiras e Flamengo, geram receitas anuais de R$ 1 bilhão – valor considerado baixo perto das ligas europeias, por exemplo.
“Não sabemos como será essa liga e como vai gerar dinheiro para os clubes. O mercado, hoje, não é claramente de aumento de receitas de transmissão de TV a curto prazo. Então, o crescimento (desses valores) tende a ser um pouco mais lento do que nos exemplos extremados da Inglaterra e Espanha. É preciso ter uma expectativa justa de receitas”, analisa o economista e sócio da consultoria Convocados Cesar Grafietti.
O futebol brasileiro ainda ficou em banho-maria durante dois anos da pandemia, e isso esfriou alguns negócios. Foram temporadas de sobrevivência.
DE OLHO NA ITÁLIA
A chegada de americanos também passou a ocorrer recentemente na Itália. Na primeira divisão, oito dos vinte clubes – incluindo Milan e Roma – são de propriedade de empresários americanos.
Existe o elo emocional com o país – alguns dos bilionários são ítalo-americanos -, com interesse na cultura, gastronomia e história. Mas o principal motivo é a avaliação de que também se trata de uma liga subvalorizada e com chance de crescimento exponencial de receitas.
O futebol italiano já foi o melhor e mais prestigiado da Europa. Para os envolvidos, trata-se de uma oportunidade de mercado difícil de recusar. Os americanos acreditam que o Campeonato Italiano pode ser mais bem gerido, com aumento significativo de receitas e modernização dos antigos estádios do país. É uma liga forte e que sonha em se aproximar financeiramente dos rivais ingleses e espanhóis.
As “armadilhas” talvez não sejam óbvias para investidores americanos que desconhecem a fundo o seu novo negócio. Muitos desses investidores americanos têm experiências com outros esportes, especialmente no futebol dos Estados Unidos, beisebol e basquete, que se organizam de forma bem distinta do futebol tradicional fora do país. Esses esportes americanos não têm ligas concorrentes estrangeiras e os donos precisam aprender como o jogo funciona.
LIGA AMERICANA
A própria Major League Soccer, principal liga de futebol dos Estados Unidos, também se organiza e se estrutura de forma diferente do restante do mundo. A MLS, por exemplo, não tem acesso nem rebaixamento. As regras diferentes interferem dentro e fora de campo e os investidores precisam se adequar a esse aspecto que pode ser decisivo no sucesso esportivo e financeiro de um clube estrangeiro.
“Ao longo do tempo, as franquias americanas ficaram muito caras, até as que eram mais baratas da MLS, por conta do crescimento e da demanda. Custa muito caro, apesar de ter retorno. Como o esporte dominante no mundo é o futebol, (os investidores) viram um potencial de retorno maior fora dos Estados Unidos: os valores de compra desses clubes eram baixos e um retorno relativamente alto”, explica o economista Grafietti.
Por causa dos riscos financeiros e esportivos de uma queda para uma divisão inferior, os clubes devem investir continuamente em talentos, o que pode dificultar a geração de lucros. Especialmente, quando há concorrentes bancados por governos, como o Manchester City (pelo Catar) e o Paris Saint-Germain (pelo Emirados Árabes Unidos).
Os principais alvos dos empresários americanos são geralmente clubes com graves problemas financeiros e desorganizados. Uma das estratégias usadas é a do “turnaround”: comprar o clube em baixa, colocar a casa em ordem, sanar as contas, melhorar as receitas, recolocar o time no caminho do crescimento e revender por um valor maior do que comprou.
Essa cultura é muito usada para aquisição de empresas nos Estados Unidos. Reflexo disso é que tanto Vasco quanto Botafogo foram avaliados com preços em baixa e com potencial de crescer pelos seus investidores americanos.
INGLÊS, O MAIOR MERCADO
Mas é no futebol da Inglaterra que se encontra o maior número de investidores americanos. Hoje, nove dos 20 clubes da primeira divisão inglesa têm donos dos Estados Unidos. A “primeira geração” de americanos no futebol inglês se deu entre 2005 e 2012, período em que sete clubes foram comprados.
Atualmente, três dos principais times ingleses, Arsenal, Liverpool e Manchester United, são de propriedade de empresários americanos, que também possuem franquias de futebol americano, beisebol e basquete.
Os bilionários Stan Kroenke, do Arsenal, e os irmãos Avram e Joel Glazer, do Manchester United, têm sido alvo de muitos protestos dos torcedores ao longo dos anos por decisões estratégicas consideradas equivocadas, enquanto os rivais acumulam cada vez mais troféus.
A falta de sucesso esportivo é o principal motivo das críticas. Em maio do ano passado, centenas de torcedores do Manchester United invadiram o estádio de Old Trafford e entraram no gramado com faixas e bandeiras pedindo a saída dos Glazer. A chegada de Cristiano Ronaldo, que voltou ao United depois de quase fechar com o rival City, acalmou os ânimos.
Uma das polêmicas foi como a família realizou a aquisição do clube, por meio do “leveraged buyout”. Essa é uma prática em que se contrai empréstimo e o dinheiro obtido é usado justamente para comprar um ativo, que passa a ser responsável por essa dívida – os ativos são utilizados como garantia.
“Na Inglaterra, temos ótimos modelos de administração americana com investimentos em analytics e crescimento comercial, como é o caso do Liverpool, mas muitos casos de leveraged buyout, que normalmente são muito mal vistos pelos torcedores dado o aumento da dívida e o limitado investimento de capital por parte dos donos”, avalia o empresário brasileiro Guilherme Decca, que comprou o Wakefield AFC, da 11.ª divisão inglesa, em 2020. “Um ótimo exemplo é o Burnley, um time que estava saudável e, se cair para segunda divisão, estará em uma situação complicada por conta disso.”
IMPULSO
No Liverpool, o atual dono, o americano John W. Henry, substituiu em 2010 no comando do clube os compatriotas Tom Hicks e George Gillett Jr., que causaram pesadelos na torcida em função da gravíssima crise financeira. O clube foi do inferno ao céu a partir da mudança.
“A compra do clube por eles (Hicks e Gillett Jr.), outro leveraged buyout, havia sobrecarregado o Liverpool com dívidas impressionantes de 351 milhões de libras, o que incluía um empréstimo de 237 milhões de libras do Royal Bank of Scotland que venceria em questão de semanas. Incapaz de cumprir tais obrigações, o Liverpool enfrentava um sério risco de falência”, diz um trecho do livro “A Liga: Como a Premier League se tornou o negócio mais rico e revolucionário do esporte mundial”.
O cenário encontrado pela Fenway Sports Group (FSG), a empresa de Henry, no Liverpool, era caótico em 2010. Em campo, o time havia terminado o Campeonato Inglês apenas na sétima posição, com resultados frustrantes. A situação financeira era delicada e a corda no pescoço só apertava.
Nos últimos 12 anos, Henry colocou dinheiro de sua empresa no clube, aumentou receitas com melhores patrocínios, fez reformas para aumentar a capacidade de Anfield, visando retorno financeiro, e precisou vender grandes nomes como Fernando Torres e Luis Suárez para equilibrar as contas. As receitas comerciais, sem considerar o montante gerado em dias de jogos e os relacionados à venda de direitos de transmissão, aumentaram de 67,7 milhões de libras em 2010 para 188 milhões de libras em 2019.
ACERTO NO TÉCNICO
Demorou, mas o sucesso também veio dentro de campo. Tudo começou a mudar em 2015, com a contratação do técnico alemão Jürgen Klopp, que liderou o processo de reconstrução da equipe. Desde então, foram cinco títulos, incluindo o Campeonato Inglês e a Liga dos Campeões.
“Não depende da origem do investidor, mas sim da organização e do preparo. Os donos do Liverpool tinham essa visão clara de reconstrução. Tem modelo de gestão muito bem definido. Um clube com potencial imenso, mas à época desestruturado. Sem gastar mais do que arrecadava, investiu o que pôde e melhorou as receitas”, analisa Grafietti.
Na cabeça dos investidores americanos, todo negócio tem de ser bem organizado, bem gerido e lucrativo. E o futebol brasileiro, para eles, começa a oferecer tais condições.