Nicola Tornatore
Francisco Schmidt, ou Franz Schmidt (1850-1924), seu nome original, é um dos personagens mais fascinantes da história de Ribeirão Preto. Imigrante alemão que fez fortuna com o café, foi ele quem por mais anos ostentou o título de “Rei do Café”, dado pela imprensa para o fazendeiro que liderasse o ranking anual de produção de grãos – medida em arroubas.
Ele nasceu a 3 de outubro de 1850, em Osthofen, então um pequeno vilarejo (hoje uma pequena cidade) do distrito de Alzey-Worms, que naquele tempo pertencia ao Reino da Prússia, mas que hoje encontra-se no estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Fugindo da crise econômica na Europa, a família Schmidt chegou ao Brasil ainda na época do Império, em 1858.
Seus pais Jakob e Gertrud Schmid, trabalharam inicialmente como colonos na Fazenda Ibicaba, que hoje pertence ao município de Cordeirópolis – antes ficava em terras de Limeira. Foi nesta propriedade que Francisco Schmidt, aos oito anos de idade, entrou em contato pela primeira vez com o café, ajudando seus pais no cultivo de cafezais da tradicional família Campos Vergueiro, proprietária da terra.
Poucos anos depois a família Schmidt se transferiu para a colônia São Lourenço, na Fazenda Felicíssima, de propriedade do comendador Luís Antônio de Sousa Barros, em São Carlos do Pinhal (atual São Carlos). Em 1873, aos 23 anos, Francisco Schmidt casou-se com Albertine Kohl (nascida em Cubatão), de família prussiana oriunda da Turíngia, com a qual teve oito filhos.
Após o matrimônio, o casal trabalhou na fazenda de Antônio Leocádio de Mattos, e, em 1875, mudou-se para a fazenda de Rafael Tobias de Aguiar (brigadeiro Tobias de Aguiar – que dá nome para as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota, tropa de elite da Polícia Militar (PM) paulista –, ambas localizadas em Belém do Descalvado (atual Descalvado).
Em 1879, Francisco Schmidt adquiriu um armazém de secos e molhados, ainda em Descalvado. Neste período, começou a trabalhar também como corretor de café para a Theodor Wille & Co (sediada em Hamburgo, na Alemanha, com filiais em Santos, São Paulo e Rio de Janeiro), empresa que seria por toda a vida a principal parceira de negócios e referência em logística para o alemão.
Em 1889 Francisco vendeu o seu estabelecimento em Descalvado e compra a sua primeira fazenda, denominada Bela Paisagem, no município de Santa Rita do Passa Quatro. Aproveitando o período de alta no mercado do café, passou a investir na compra e venda de fazendas, conseguindo com isso aumentar o seu capital. Em 1890, comprou, em sociedade com o coronel Arthur de Aguiar Diederichsen, a Fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto, até então de propriedade de João Franco de Moraes Octávio.
Poucos dias após a compra, adquiriu a parte de seu sócio na Monte Alegre, para onde se mudou com a família – a casa-grande da fazenda é o hoje Museu Histórico Plínio Travassos dos Santos, no campus Monte Alegre da Universidade de São Paulo (USP), na Zona Oeste – ao lado foi construído o Museu do Café Francisco Schmidt, uma homenagem ao alemão. Com o financiamento Theodor Wille Co. (de Hamburgo, Alemanha), comprou inúmeras fazendas nos municípios de Ribeirão Preto, Franca, Brodowski, Orlândia, Araraquara, Sertãozinho e Serrana, entre outros.
No auge, ele chegou a possuir 62 propriedades (22.461 hectares), onde 7.361 colonos cultivavam mais de 16 milhões de pés de café. Em 1913, Francisco Schmidt já era o maior produtor do Brasil e por isso recebeu o título de “Rei do Café”. Apesar da predominância do produto, investiu na diversificação de atividades, implantando o primeiro engenho de açúcar da região, no município de Sertãozinho, em 1906 (Engenho Central, atual Pontal).
Com a morte de sua esposa em 1917, organizou com seus filhos (Gertrudes Schmidt Whitaker, Anna Schmidt Ferreira Ramos, Guilherme Schmidt, Jacob Schmidt, Albina Schmidt Whately, Arthur Schmidt, Magdalena Schmidt Villares e Ernesto Schmidt) a Cia. Agrícola Francisco Schmidt.
Em 1901 Francisco Schmidt foi nomeado, pelo então presidente da República Campos Sales, coronel-comandante da 72ª Brigada de Infantaria da Guarda Nacional. Era um título honorífico, concedido pelo governo aos cidadãos mais proeminentes (leia-se ricos). Francisco Schmidt foi vereador em Ribeirão Preto por seis legislaturas, sendo nomeado presidente da Câmara Municipal duas vezes.
Em 1899 apresentou uma indicação à Câmara Municipal para aquisição da mata existente na Chácara Olympia, localizada no então chamado Morro do Cipó. A proposta foi aprovada e graças à iniciativa do alemão hoje existe, no coração de Ribeirão Preto, a Área de Preservação Permanente (APP) Morro do São Bento – o Morro do Cipó mudou de nome. Não haveria o zoológico do Bosque Municipal Doutor Fábio de Sá Barreto se não fosse por Francisco Schmidt.
Em 1895, ele liderou a mobilização da elite cafeeira que culminou com a construção do Teatro Carlos Gomes, inaugurado em 1897 – e demolido em 1942.
Francisco Schmidt, o terceiro ‘Rei do Café’
Na época áurea do café, a imprensa tinha o costume de designar como “Rei do Café” aquele fazendeiro que ostentasse a condição de maior produtor do grão que fazia a riqueza da cidade. O primeiro a ser assim chamado foi Joaquim José de Sousa Breves. Depois, Henrique Dumont, pai de Santos Dumont. O terceiro, que por mais tempo ostentou o pomposo “título”, foi Francisco Schmidt, sucedido pelo quarto e último “monarca”, o italiano Geremia Lunardelli.
Schmidt finalmente derrotou Quinzinho
Apesar de derrotado durante toda a sua trajetória política nos principais embates como o coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira – ambos eram do Partido Republicano Paulista (PRP), que então monopolizava a política nacional –, Francisco Schmidt deu o troco depois de morto. Isso porque, de Joaquim da Cunha, o popular Quinzinho da Cunha, nascido aqui mesmo em Ribeirão Preto e falecido na terra natal em 1932, não resta uma só recordação relevante.
Uma pequena praça, ao lado do Mercado Municipal, o “Mercadão”, que tinha seu nome, deu lugar primeiro ao terminal de ônibus Antônio Achê, e depois ao Centro Popular de Compras (CPC). A praça “Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira” simplesmente desapareceu. Porém, a menos de 200 metros dali, segue imponente, ainda que sem o brilho do passado, a praça Francisco Schmidt, homenagem de Ribeirão Preto a seu terceiro “Rei do Café” – um alemão imortalizado na história da cidade, ao contrário de seu desafeto, que o derrotou em vida mas levou o troco após a morte.
A trajetória política de Francisco Schmidt
Nascimento: 03 de outubro de 1850 – Osthofen, Alemanha
Falecimento: 18 de maio de 1924 – São Paulo (SP), Brasil
Filho de Jacob Schmidt e de Gertrudes Rauskolb Schmidt
Vereador na 7ª legislatura da Câmara de Ribeirão Preto (1892-1896)
Vereador (suplente) na 8ª legislatura da Câmara de Ribeirão Preto (1896-1899)
Vereador e vice-presidente da Câmara na 9ª legislatura (1899-1902)
Vereador na 13ª legislatura da Câmara de Ribeirão Preto (1911-1914)
Vereador e presidente da Câmara na 14ª legislatura (1914-1917)
Vereador e presidente da Câmara na 15ª legislatura (1917-1920) –
renunciou em 1917.
Fazenda Monte Alegre hoje é campus da USP
A partir de 1890, sob administração de Francisco Schmidt, teve início um novo período na história da Fazenda Monte Alegre, marcado pela prosperidade econômica e pelo desenvolvimento estrutural. Nos últimos anos do século XIX e no início do século XX, o alemão construiu não só a nova tulha – hoje Sala de Concertos do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (DM-FFCLRP/ USP) –, como também ampliou e melhorou a estrutura geral da casa grande, sede da propriedade.
A área hoje é ocupada pelo Museu Histórico Plínio Travassos dos Santos e pelo Museu do Café Francisco Schmidt. O alemão que virou “monarca” em Ribeirão Preto morreu em 1924 e não viu a derrocada do produto a partir da crise de 1929 na Bolsa de Nova York (EUA). Seus herdeiros venderam a Fazenda Monte Alegre para João Marchesi (nascido Giovanni Pietro Marchesi), empresário, fazendeiro, usineiro e banqueiro italiano radicado desde criança em Sertãozinho.
Em 1940, a fazenda foi adquirida pelo governo de São Paulo que, em 1942, instalou ali a Escola Prática de Agricultura. Quando a unidade fechou, o Estado cedeu o prédio para a instalação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em 1952, embrião do que se transformou no campus Monte Alegre da Universidade de São Paulo .