Tribuna Ribeirão
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Florestas como infraestrutura pública 

Perci Guzzo * 
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Penso que devemos nos antecipar ou, se preferem, nos prevenir. A chave a ser virada no modelo de desenvolvimento local é a seguinte: reflorestar com base técnica e científica grandes porções de terras periurbanas ao invés de dar continuidade desenfreada ao espraiamento da cidade por meio de novos loteamentos e condomínios. Fazer dessa mudança de rota no desenvolvimento um projeto público, um negócio que seja justo aos proprietários dessas terras, bem como uma ação estratégica para o futuro da cidade. 
 
Faço a sugestão no sentido de evitarmos migrações e o definhamento econômico, ecológico e social de Ribeirão Preto. Acredito que a proposta seja válida para todas as cidades de médio e grande porte do interior paulista. 
 
Os tempos atuais solicitam decisões arrojadas, contemporâneas e que priorizem a vontade geral. O mundo é um complexo sistema social, ecológico, psicológico e espiritual e devemos tratá-lo como tal, considerando também sua finitude. O maior equívoco do sistema capitalista é tratar os recursos naturais como infinitos. Não existe essa condição.  
 
Na atualidade somos chamados a levar uma vida frugal e fraternal. Revisitem desejos, ambições e projetos pessoais. Pensem em projetos coletivos para assegurar dignidade a todos/as. 
 
Adentramos a era da escassez, vivenciamos os prelúdios da nova realidade climática. Vai ficando um pouco tarde para evitarmos de modo planejado episódios catastróficos que se desenham no horizonte. 
 
Recentes estudos demonstram que monoculturas não são boas vizinhas para cidades; tão pouco para florestas e outras tipologias de áreas naturais. A cana-de-açúcar não é boa vizinha do ponto de vista climático, ecológico e de saúde pública. Em recente palestra no SESC Ribeirão sobre os cenários climáticos previsíveis para Ribeirão Preto, a professora e pesquisadora em Ciência Atmosféricas, Flávia Dutra Ribeiro, da Faculdade de Artes, Ciências e Humanidade da USP, revelou que temperaturas elevadas e baixa umidade relativa no árido rural reforçam a ilha de calor urbana. 
 
Estudos epidemiológicos recentes encontraram forte correlação entre altas temperaturas e baixa umidade relativa do ar com o agravamento de doenças cardiovasculares e respiratórias e a morte de idosos (Analysis of the association between meteorological variables and mortality in the elderly applied to different climatic characteristics of the State of São Paulo, Brazil). 
 
Além de combater o estresse térmico, um cinturão de florestas ao redor de cada cidade tamponará os efeitos da erosão eólica que se manifesta nas conhecidas tempestades de terra nos meses de estiagem. E ainda mais, funcionará como um sumidouro de gás carbono por meio de elevadas taxas fotossintéticas. Obviamente, parte dessas matas pode vir a se constituir em sistemas agroflorestais.  
 
Se florestas melhoram as condições do clima local, da qualidade do ar, asseguram a perenidade das águas superficiais e subterrâneas e, portanto, protege a sociedade, nada mais sensato do que as reconstituir. Assim como as redes de abastecimento de água, de afastamento de esgotos, de distribuição de energia elétrica e de iluminação, as florestas devem ser consideradas infraestruturas urbanas públicas. A adoção de tal medida conferirá um importante passo para a mitigação das mudanças do clima. 
 
A viabilização de tal empreita urbanística e ambiental depende de novo arranjo legal, de decisão política, de aporte de recursos financeiros oriundos de fundos nacionais e internacionais, de valorização da experiência científica da Floresta da USP, de planejamento territorial econômico-ecológico e de comunicação transparente entre todos os agentes envolvidos. 
 
Mas, Perci, sua proposta é uma loucura; uma utopia!!” 
 
Mark Fisher, filósofo e crítico cultural britânico, é autor do livro intitulado “Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?”. Talvez seja a resposta positiva a tal pergunta o que nos impede. Talvez o capitalismo seja tudo, menos realista. 
 
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

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