Fabiano Ribeiro
(Com apoio da Agência Fapesp)
Num passado recente, a queima da palha da cana-de-açúcar era um dos fatores principais para o comprometimento da qualidade do ar. Para combater o problema no estado de São Paulo, uma lei foi promulgada em 2002 e um acordo com o setor sucroalcooleiro estabeleceu o fim da prática até 2017. A expectativa era de melhora da qualidade do ar. Mas de acordo com um trabalho do professor Arnaldo Cardoso, do Instituto de Química da Unesp – Universidade Estadual Paulista, o ar permanece inalterado após uma década.
“Não estou aqui falando de qualidade de ar e saúde pública, não tenho autoridade para falar sobre esses pontos, mas estou falando de poluentes. Fizemos um levantamento e fiquei surpreso ao ver os dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) indicando que o ar permanece praticamente inalterado. A expectativa é que houvesse, em uma década, melhora nos padrões com o fim da queima da cana-de-açúcar”, disse Cardoso ao Tribuna. Segundo ele, dados oficiais indicam que as concentrações de partículas de aerossol e de ozônio permanecem nos mesmos níveis de antes.
O alerta foi feito recentemente na Fapesp Week France, em Lion, na França, e publicado no site da Agência Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Cardoso tem analisado as consequências da poluição atmosférica na região canavieira de São Paulo desde o fim dos anos 1990. Em estudos realizados na década de 1990 e nos anos 2000 sua equipe colheu amostras do ar em Araraquara e dimensionou as mudanças na composição da atmosfera entre a safra e a entressafra.
“Nesse período em que a mecanização não era tão intensa, vimos, por exemplo, que entre o material particulado havia macronutrientes da cana-de-açúcar. Quando esse material cai em uma lavoura de cana, ótimo. Porém, quando cai em uma floresta natural, pode modificar o solo e a água e causar perda de biodiversidade”, disse.
O pesquisador ressaltou que a mecanização nas lavouras possibilitou outra mudança importante: o uso da palha e de outras partes de menor valor energético da cana, que antes eram queimadas, na produção de energia elétrica e de etanol de segunda geração (2G). A prática é apontada como uma forma de aumentar a geração de bioenergia sem ampliar a área plantada.
“Esses fatos sugerem que, possivelmente, as fontes de emissão tenham mudado em qualidade, mas não em quantidade. Aparentemente, apenas mudamos de atividade, mas a poluição permanece a mesma. Mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas por futuros estudos”, salienta. “É preciso refazer estes estudos para entender o que pode estar ocorrendo agora. Analisar quais são os agentes causadores da poluição”, finalizou.
Cetesb diz que qualidade do ar teve ligeira melhora
A gerente da Divisão da Qualidade do Ar da Cetesb – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo -, Maria Lúcia Guardani disse não ter tido acesso aos estudos do professor Arnaldo Cardoso e que não poderia comentá-lo.
Ela informa que os dados da Cetesb indicam “uma ligeira queda de poluentes” nos últimos dez anos. E que os números variam, pois a qualidade do ar sofre influências, por exemplo, em períodos de chuva. “Se chover mais em um ano do que em outro, essa comparação pode ficar comprometida”, explica.
Guardani acredita que alguns fatores influenciam na não melhora significativa da qualidade do ar após o fim das queimadas. “O aumento no uso de carros. As pessoas não optam por transporte público. As indústrias, enfim. É necessário um estudo amplo”. Segundo a diretora, apesar da diminuição para 10% da área em que as queimadas da palha da cana-de-açúcar são autorizadas, houve um aumento em relação à área de plantio. “Mas é inegável que a queima da palha da cana atrapalhava. A população respirava partículas da queima”, disse.
Ar em Ribeirão Preto
Guardani informou que os estudos da qualidade do ar em Ribeirão Preto ficaram comprometidos por conta de ação de vândalos na estação da Cetesb. “São dois anos sem dados, sem informações e isso prejudica nosso trabalho”.
A diretora ressalta que a Cetesb divulga diariamente, hora a hora, a qualidade do ar nas cidades em que há o monitoramento. No momento da entrevista a qualidade era boa em Ribeirão Preto. “É só acompanhar o site da Cetesb. É bem transparente”.
Numa média anual, em 2017, a qualidade do ar em Ribeirão Preto ficou em 81% dentro dos padrões da OMS – Organização Mundial de Saúde. Ano passado os dados foram comprometidos por conta do vandalismo, segundo a diretora. Em Araraquara, onde há todas as informações, a qualidade foi melhor ano passado, em 92% dentro desses padrões.
Colheita mecanizada
O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. A principal região produtora está localizada no Estado de São Paulo, que abrange 55% da área plantada do país. Na safra 2017/2018, foram produzidos 13 bilhões de litros de etanol, o que correspondeu a 47% da produção brasileira. Em 2018, a colheita mecanizada da cana-de-açúcar foi usada em 90% da produção