Um filme sobre a histórica expedição realizada em 1914 pelo marechal Cândido Rondon e o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt ajudou a preservar imagens que pertenciam ao acervo do Museu Nacional. Os originais dessas imagens, que são reproduzidas na obra, foram perdidos no incêndio ocorrido em setembro de 2018.
Intitulada O Rio da Dúvida, a obra, dirigida por Joel Pizzini, é destaque na Mostra de Cinema de Ouro Preto (Cineop). A exibição acontece nesta noite (7). O filme mescla documentário e ficção, usando atores para refazer o trajeto realizado há mais de um século nas regiões do Pantanal e da Floresta Amazônica. Na época, um projeto de pesquisa sobre a fauna brasileira vinha sendo preparado por Theodore Roosevelt, que havia presidido os Estados Unidos de 1901 a 1909 e vencido o Prêmio Nobel da Paz em 1906.
A articulação da expedição contou com o envolvimento do então ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller. Ao tomar conhecimento do interesse do norte-americano, ele ofereceu ajuda logística. Para acompanhar a equipe, foi convidado Cândido Rondon, na época coronel do Exército, que elaborou diferentes propostas de itinerário. Foi escolhida a exploração do Rio da Dúvida, posteriormente renomeado de Rio Roosevelt, que vai de Rondônia ao Amazonas. Na época da expedição, porém, seu curso era totalmente desconhecido.
O filme não se resume a recontar a história da empreitada e sua narrativa provoca um trânsito temporal. “Os atores representarão personagens de época, mas irão encontrar o Rio da Dúvida e seus arredores tal como eles se apresentam hoje. Além disso, eles irão interagir com personagens das atualidades, como as netas de Rondon. Então é um filme carregado de subjetividade e que promove uma ressignificação da expedição para se refletir sobre o nosso momento. É uma forma de revisitar com olhares de hoje o projeto humanista de Rondon, sua preocupação com os índios, com o ambiente”, diz Joel Pazzini.
Marechal Rondon
O marechal Rondon é conhecido na história brasileira pela sua luta em favor da causa indígena e pelas suas investidas para implantar o telégrafo em locais de difícil acesso. “Ela era um humanista e pacifista. E influenciado pelo positivismo, tinha a visão utópica de que o índio se integraria espontaneamente à sociedade. Mais tarde, ele irá rever essa posição e será inclusive um dos idealizadores da demarcação de terra que culmina na criação do Parque do Xingu”, disse Joel.
A narrativa do filme mostra ainda os choques e embates provocados pelas distintas personalidades e visões de mundo de Rondon e Roosevelt.
Entre o material do acervo do Museu Nacional usado no filme estão fotogramas produzidos pelo radialista Roquete-Pinto, que fez diversas incursões entre comunidades indígenas. Os originais desses fotogramas dificilmente serão recuperados nos destroços. Além de fazer uso do arquivo da instituição, Joel disse que gravou cenas com os atores no edifício antes do incêndio. O trabalho de pesquisa realizado para o filme também levou em conta coleções guardadas pelo Museu Nacional, que foram constituídas a partir das expedições de Rondon.
Da expedição em si, foram usados alguns registros feitos pelo tenente Luiz Thomaz Reis. Além disso, na década de 1920, Roosevelt enviou um cinegrafista para gravar imagens do trajeto que ela havia realizado anos antes. O filme reúne gravações históricas obtidas em variadas instituições nacionais e até mesmo internacionais, como o Museu Americano de História Natural de Nova York. Depoimentos de indígenas de diversas etnias como a Nambikwara e Cinta Larga, obtidos junto ao Museu do Índio, também ajudam a compor a narrativa.
Mostra de Ouro Preto
Segundo Joel, o filme ainda está em um momento de percorrer festivais cinematográficos, no Brasil e no exterior, mas já existem negociações em curso com distribuidoras para levá-lo ao circuito comercial. Ele destaca a importância da Mostra de Cinema de Ouro Preto. “É o local certo para o filme estar porque carrega essa preocupação com as imagens de acervo”, disse.
Um dos maiores festivais do Brasil, a Mostra de Cinema de Ouro Preto surgiu no início dos anos 2000 com uma proposta inédita que vinha sendo demandada pelo setor cultural: o enfoque nas discussões sobre preservação audiovisual, memória e história, a percepção do cinema como patrimônio e a interface do cinema com ações educativas. Dentro da sua programação, acontece também o Encontro Nacional de Arquivos. Todas as atividades, incluindo exibição de filmes, oficinas e debates são abertas ao público e gratuitas.
O tema desta edição, que começou ontem (6) e vai até segunda-feira (10), é “Territórios regionais, inquietações históricas”. O grande homenageado é o cineasta baiano Edgard Navarro, autor de filmes emblemáticos dos anos 1970 e 1980. Sete filmes do diretor serão exibidos, incluindo sua nova obra, Abaixo da Gravidade, que entrará no circuito comercial nos próximos meses.