Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão
Antes mesmo de a entrevista começar oficialmente, Laura Pausini está falando do Brasil e dos amigos daqui, desde Hebe Camargo (1929-2012) até Serginho Groisman. “Faz muito tempo que não vou ao Brasil. Fisicamente, eu sinto uma saudade verdadeira. Não estou falando apenas porque você vai escrever”, disse a cantora, em português, em entrevista ao Estadão por videoconferência.
Pausini vem para cá desde adolescente e, logo de cara, se identificou com a cultura e a língua, que conseguiu entender de imediato e foi estudando português ao longo dos anos. Ela espera voltar no ano que vem. O assunto da conversa, porém, não é um novo trabalho musical, mas, sim, um documentário, Laura Pausini – Prazer em Conhecer, que estreia nesta quinta-feira, 7, no Amazon Prime Video. “Eu falo isso no filme porque realmente acredito que em uma vida anterior eu fui latino-americana. Não sei se brasileira ou mexicana.”
O convite para fazer um documentário surgiu alguns anos atrás. “Eu não queria fazer aquela coisa de autocelebração”, afirmou. Antes mesmo da pandemia, a cantora, que está com 47 anos, questionava-se muito. “Pode ser a idade. Mas me perguntava: Estou feliz? Até agora, fiz tudo o que queria?”, contou. A pergunta principal, que a perseguia desde sua vitória na categoria iniciante do tradicional Festival de Sanremo, aos 19 anos, era: “Como é possível eu ser famosa?”.
Até aquele momento, ela, que foi criada na pequena Solarolo, uma comuna italiana da região da Lombardia, e cantava à noite com seu pai, acreditava que seu futuro seria muito diferente. “Sempre indaguei como seria minha vida sem ser famosa. E eu demorei muito tempo, 29 anos, para ter uma resposta. E tenho muitas. Tantas que eu imagino concretamente os vestidos, o cabelo, a casa daquela Laura que não é famosa.”
Daí veio a ideia de falar sobre essa e outras dúvidas em um documentário. O Amazon Studios gostou da ideia. Uma noite, ela escreveu em seu celular a história dessa Laura de um universo paralelo. “Pode ser também que, de maneira egocêntrica, eu quisesse viver concretamente essa experiência. Porque afinal gravei dois meses fazendo uma Laura que não sou eu. Mas também é ”
Essa meditação sobre a fama e a certeza de que a maior parte dos espectadores vai ser de fãs lhe deu a confiança de que o longa-metragem fosse também uma mensagem. “Nos últimos anos, todos queremos ser famosos”, observou a cantora. “E eu posso falar sobre isso com propriedade porque sou famosa. Uma pessoa, para sentir-se realizada, não precisa ser famosa.”
No filme, as duas Lauras são cantoras. Só que a Laura fictícia canta em um restaurante uma canção de Gianluca Grignani. A Laura verdadeira interpreta a mesma música em um estádio. “Qual é a diferença? O número de pessoas à minha frente. Mas o motivo de ter escolhido cantar aquela música era igual. Eu canto igual”, lembrou. “Acredito ser muito importante que as pessoas saibam que nós, seres humanos, nascemos com habilidades. E ter a força de descobrir com curiosidade nossas possibilidades nos ajuda a sermos felizes.”
TRAJETÓRIA
O filme não abdica, porém, de retratar a Laura Pausini deste universo aqui, desde seu começo como garota tímida, de blazer comprido, até a conquista do Globo de Ouro e a indicação para o Oscar de melhor canção no ano passado com Io Sì. Nem de mostrar sua relação com os pais e o casamento com o músico Paolo Carta, com quem tem uma menina, Paola, de 9 anos.
Para a cantora, é um ensinamento para Paola uma das partes mais essenciais de Laura Pausini – Prazer em Conhecer. “A coisa mais importante do último ano foi ensinar minha filha que na vida você pode ganhar ou perder. Porque eu descobri nesses 47 anos que ninguém me ensinou a perder. E é algo fundamental para todos os seres humanos”, ressaltou.
GANHOS E PERDAS
No espaço de poucos meses, Paola viu sua mãe ganhar o Globo de Ouro e perder o Oscar. “E, quando sua mãe voltou, era a mesma mãe de antes de ganhar e de antes de perder. Essa era uma razão pela qual queria fazer o filme. Porque as pessoas veem quem é famoso como diferente, mais privilegiado. Na questão econômica, sim. Mas, ao final da sua vida, quando você se perguntar: ‘Você sentiu felicidade de verdade, dentro, não graças a outros, mas graças a você?’. A resposta não é a fama. Acredite.”
Aquela dúvida da adolescente Laura Pausini permanece: por que eu sou famosa, ou seja, sou merecedora de tudo isso? “Provavelmente estou buscando uma resposta por meio do meu trabalho. Porque, quando faço um show ou uma entrevista, é como se eu devolvesse tudo aquilo que recebo”, explicou.
“Eu queria muito ter a atitude de achar que cheguei aqui porque sou a melhor. Mas não consigo. Não sei se um dia vou conseguir. Não acho que é da minha natureza.”
E, antes de despedir-se, Laura Pausini marca um outro papo, daqui a muitos anos, para falar se alguma coisa mudou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.