Por Ricardo Magatti, especial para a AE
Antes líder do Brasileirão por 12 rodadas e uma das equipes que impressionava pela maneira como jogava, o São Paulo chegou a abrir sete pontos na primeira colocação. O time tricolor, porém, sucumbiu, não venceu ainda em 2021 e corre até mesmo o risco de ficar fora do G-4 e não conseguir uma vaga direta na fase de grupos da Copa Libertadores. Mas o que explica essa queda vertiginosa que culminou com a demissão do técnico Fernando Diniz e a saída antecipada do diretor Raí? Para além do desempenho ruim em campo, a equipe está envolta em uma série de problemas fora das quatro linhas que se arrastam há vários anos e ajudam a explicar a crise e a seca de títulos de quase dez anos.
Julio Casares assumiu a presidência no dia 1º de janeiro com a promessa de manter Fernando Diniz e garantir a permanência de Raí até fevereiro como executivo de futebol. No entanto, a sequência de resultados negativos o levou a mudar de ideia e o treinador foi demitido no começo desta semana. Raí também antecipou sua saída, que ocorreria ao final da temporada. O mandatário justificou a decisão por “falta de perspectiva de reação”.
“Foi uma decisão voltada mais para a visão do resultado e da perspectiva de falta de reação nesse momento para o prosseguimento do campeonato. Realmente tinha dito que continuaríamos, era a intenção, mas assumimos um momento atípico com calendário diferente por causa da pandemia, sem pré-temporada. Portanto, precisamos planejar a próxima temporada Decisão foi por resultado. Dos 18 pontos disputados, conseguimos dois. Não tem visão de culpa de A, B ou C, faltou perspectiva de uma reação”, disse Casares.
Antes deles, já haviam saído o ex-diretor de relações internacionais, Diego Lugano, e o ex-diretor de futebol, Alexandre Pássaro. O conselheiro Carlos Belmonte virou o homem-forte do futebol, Muricy Ramalho voltou ao clube para ser coordenador técnico e Rui Costa foi contratado para ser o gerente de futebol. Mudanças ocorreram na nova gestão, mas permanecem os problemas que perduram há mais de uma década, como dívidas com os jogadores, escolhas erradas, incertezas e cobranças públicas pela transição de poder.
De clube vencedor, que empilhou taças na década retrasada, e apontado como exemplo de gestão naquele momento, o São Paulo se acostumou a protagonizar fracassos. Apenas nesta temporada, a equipe foi eliminada nas quartas de final do Campeonato Paulista para o Mirassol, na fase de grupos da Libertadores, na segunda fase da Copa Sul-Americana e sofreu a pior derrota jogando no Morumbi na história, a goleada por 5 a 1 para o Internacional. Aquele revés, aliás, tirou o time do então técnico Diniz da liderança. O clube não levanta um troféu desde 2012, quando conquistou a Sul-Americana, vê seus principais rivais serem campeões com frequência e tem de lidar com as cobranças cada vez mais intensas dos torcedores, ávidos por títulos.
“FEUDO” E FALTA DE IDEIAS NOVAS – “A longa seca de títulos é reflexo do que ocorre na política interna. O São Paulo assemelha-se a um feudo. O poder em uma instituição desse porte dá visibilidade e eleva o ego das pessoas que precisam disso para energizar suas vidas que eles próprios julgam insignificantes ante a importância e popularidade que o cargo confere”, analisa Luiz Antônio Cunha, ex-diretor de futebol do São Paulo em 2016, na gestão de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco. Ele deixou o cargo após “o presidente ter ‘roído as cordas’ comigo ao autorizar ao gerente remunerado uma contratação que eu vetara expressa e diretamente a ele”. A contratação a que se refere era a do peruano Cueva, que não deu certo.
Cunha fala com a experiência de quem trabalhou no clube desde o primeiro mandato de Juvenal Juvêncio, no final da década de 1980, entre funções na base e no profissional, sócio-torcedor e nas vezes em que foi chamado para “apagar incêndios”, como ele descreve.
O dirigente avalia que o clube carece de “ideias abertas do moderno mundo da administração em geral”, e também de “alternância de ideias no poder maior” para não ficar mais “sempre respirando o mesmo ar”, o que, segundo ele, continua a acontecer agora com a eleição de Julio Casares, que já havia ocupado cargos diretivos antes de assumir a presidência. “O SPFC está como cachorro que corre atrás do próprio rabo, nunca alcança e quando alcança, morde e sente a dor. Há que se vislumbrar horizontes mais amplos”, pontua Cunha.
O ex-diretor entende que as mudanças provocadas pela nova gestão, com trocas em cargos importantes foi o “ingrediente nefasto que fez desandar tudo em campo” e que a decisão provocou uma “descambada que causaram por pura falta de sensibilidade, de inteligência e de maturidade”.
“A SOBERBA DO SOBERANO” – Torcedor ilustre do São Paulo, Nasi, vocalista da banda de rock Ira!, acredita que o calvário está diretamente ligado às decisões políticas nos últimos anos. “Tudo começa quando a política do São Paulo, que sempre foi equilibrada entre oposição e situação, é destruída. O São Paulo tinha a oposição e a situação se revezando no poder, com os dois se vigiando”, opina. O músico crê que o principal culpado pelo desequilíbrio foi o ex-presidente Juvenal Juvêncio, que comandou o clube por quatro mandatos no total e foi o responsável por alterar o estatuto para poder ficar três mandatos consecutivos na presidência, de 2006 a 2014. O folclórico dirigente morreu em 2015.
“Os times que têm uma hegemonia, em vez de crescerem, eles entram num conluio político que os levam ao fracasso. O São Paulo viveu cinco anos de glória, de 2005 a 2009. Depois disso veio a soberba do Soberano, inaugurada por Juvenal Juvêncio, que rasgou o estatuto”, reforça Nasi. Em vez de fazer o São Paulo ser cobiçado pelas grandes marcas, o que aconteceu foi o começo de um declínio, um clássico no futebol brasileiro. Um grupo que ganha títulos importantes e tem tudo para criar uma hegemonia, um futuro brilhante, usa as conquistas para a corrupção e para endividar o clube”, acrescenta.
Campeão paulista e brasileiro pelo São Paulo como jogador, o técnico Silas adverte que, nos últimos anos, a “roupa suja” deveria ter sido lavada internamente e também considerou que escolhas erradas recorrentes como um dos principais fatores que geraram e até potencializaram a crise ao longo dos anos. “Muitas tentativas foram feitas a nível de contratação de atletas caros, muitas frustradas por mau desempenho e mesmo a formação de excelentes jogadores de base e que deram muitos títulos de base ao clube, além de servir a seleção brasileira em todas as categorias, no profissional não vingou”, aponta o comentarista dos canais esportivos da Disney. “A crise aumentou e até a prática de manter treinadores deixou de acontecer, exemplo claro são os últimos 4 anos com 7 trocas”, emenda.
As contratações caras e mal-sucedidas, como o atacante Alexandre Pato, foram determinantes para o endividamento do clube, que apresentou em agosto de 2020 um déficit de R$ 156 milhões nas contas de 2019, um dos piores resultados financeiros da história do clube. As despesas subiram, as receitas diminuíram e os títulos não vieram.
SAÍDAS PARA A CRISE – O ex-diretor Luiz Antônio Cunha defende que o São Paulo se torne clube-empresa como uma dos caminhos para mudar o panorama atual, de poucas conquistas e muitas dívidas. Vale ressaltar que o projeto que incentiva os times brasileiros a saírem do modelo de associação civil para empresa, limitada ou sociedade anônima está parado no Senado. “Mas a fila para assumir o poder está formada e ninguém admite ceder o lugar ou simplesmente acabar com ela”, lamenta.
Já Silas entende que a Europa é um espelho para o São Paulo. “O caminho seria copiar os modelos de clubes europeus, grandes e pequenos também, mas não só no que diz respeito a tática e organização, colocando ex-atletas capacitados, mas também no que se refere à gestão financeira.”
Quanto ao campo, o ideal, avalia Nasi, seria a diretoria procurar um técnico experiente e que saiba trabalhar com os jovens oriundos da base, enquanto que os dirigentes deveriam ter a mente mais aberta para novas ideias. Para ele, o retorno de Milton Cruz, que trabalhou 22 anos no clube, também seria importante. “O momento é pra se olhar pra base, mas com um técnico que saiba usá-los”, diz o torcedor ilustre. “O São Paulo precisa de dirigentes mais jovens. Os “cardeais” da diretoria levaram o clube à bancarrota.”
O próximo jogo do São Paulo é no dia 10, contra o Ceará, no Morumbi. Pressionado e sem vencer desde 26 de dezembro, o time será comandado nesta reta final de Brasileirão pelo interino Marcos Vizolli, antes técnico do sub-19 e que em dezembro foi alçado ao cargo de auxiliar da comissão técnica. A diretoria não traçou ainda o perfil do novo profissional procurado, mas alguns nomes estrangeiros são bem avaliados “Temos cinco rodadas, acreditamos em bons resultados, mas precisamos pensar no planejamento”, limitou-se a dizer o presidente Julio Casares.