O ser humano, primícias da criatura, a única espécie racional, reflexo imperfeito de Deus, é naturalmente pretensioso. Cultiva a autoestima e se considera predestinado. Costuma pensar que a história nasceu junto com ele. O seu universo cabe no interior de sua ambição. Seus horizontes limitam-se aos seus próprios interesses.
Não fora assim e seríamos mais generosos com este planeta que está sendo destruído de várias formas. Inclementes com a natureza, preferimos confiar que não existe aquecimento global, que as mudanças climáticas são espontâneas e que, enquanto não derrubarmos a última árvore, nossa ganância não será saciada.
Também não nos comovemos com as mortes causadas pela covid-19. Cotejamos o seu número com a soma de todos os outros óbitos e achamos que ela, na verdade, não passou de uma gripe um pouco diferente.
Acomodamo-nos com os excluídos e os invisíveis, que voltarão a sê-lo dentro em pouco, assim que arrefecer a onda filantrópica de evidente transitoriedade.
Talvez fizesse bem àqueles que perseveram nas piores práticas, um consumismo inconsciente, um egocentrismo crescente, o deliberado esquecimento de que a finitude é inevitável, ler alguma coisa que nos remeta à insignificância cósmica da criatura humana.
Recomendo a leitura de um livro de Michel Houellebecq, prefaciado por Stephen King, H.P.Lovecraft: contra o mundo, contra a vida (Nova Fronteira). Houellebecq é o escritor francês da atualidade mais lido e mais controverso. Parece escrever para chocar. Mas este livro é um exercício de constatação da nossa insignificância. O que somos diante do cosmo? Praticamente nada.
O planeta em que vivemos é diminuto e, para continuar a propiciar a vida, necessita de uma conjugação de esforços e movimentos sobre os quais a humanidade não dispõe de qualquer controle.
O objeto do livro é o americano Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), que em vida permaneceu obscuro e cuja obra se tornou ritual e inspiradora só décadas após. Ele exprime a noção de nossa pequenez diante de vidas cósmicas que poderão nos escravizar, assim como fizemos com os nossos semelhantes de outras etnias.
Nós não podemos ignorar nossa fragilidade e a inevitabilidade do fim. Se nos conscientizássemos disso, não seríamos melhores, mais humildes, mais modestos? Não trataríamos melhor os outros e este nosso mundo?
Temos de nos esforçar para fazer por merecer a nossa pretensão de sermos a mais perfeita espécie viva que este planeta já hospedou.