O publicitário, terapeuta e pós-graduando em psicologia cognitiva comportamental, Raphael de Paula é o presidente da Central Única de Favelas (CUFA) em Ribeirão Preto. A entidade existe em todo o Brasil e chegou por aqui há três meses.
Em entrevista ao Tribuna Raphael falou sobre as ações da entidade durante a pandemia do coronavírus e sobre o que é preciso fazer para garantir mais direitos aos moradores das favelas da cidade. Dados da CUFA mostram que em Ribeirão Preto mais de 40 mil pessoas vivem nas 105 favelas registradas e em 32 não oficiais.
Tribuna Ribeirão – Nos últimos anos as pessoas substituíram o termo favela por comunidade. Essa mudança tem relevância para quem vive nestes locais?
Raphael de Paula – Comunidade é o termo usado pela sociedade de forma geral para suavizar a expressão favela. A CUFA acha importante usar o termo favela, sem suavizar a palavra, pois traz um impacto maior fazendo com que sociedade enxergue a população moradora dessas regiões, que são vítimas de grande preconceito, marginalização e falta de oportunidades.
É preciso saber que morador de favela, favelado ou morador de comunidade, como alguns querem falar, são pessoas, na sua maioria, trabalhadores de subemprego, desempregados, pai, mães de famílias, que têm filhos na escola, ou fora dela por conta das dificuldades, mas que são pessoas comuns, que têm sonhos, consomem produtos e querem mudar de vida. O que falta na maioria das vezes são oportunidades, capacitação e empregos que lhes garantam dignidade.
Tribuna Ribeirão – A pandemia levou muita gente para as favelas da cidade?
Raphael de Paula – A pandemia levou muita gente para lugares jamais imagináveis. Com o desemprego no país chegando a casa dos 21 milhões de pessoas, essas famílias se viram obrigadas a se mudarem para lugares onde não se paga um aluguel caro e onde muitas vezes não se paga água e nem luz. Tudo para deixar sobrar o dinheiro para comida. Então consequentemente o número de pessoas indo ou voltando para as favelas aumentou, com certeza.
Tribuna Ribeirão – Qual o objetivo da CUFA de Ribeirão Preto? Quando ela foi criada?
Raphael de Paula – A CUFA Nacional foi fundada há mais de 20 anos no Rio de Janeiro por Celso Athaíde e tem como objetivo promover atividades nas áreas da educação, lazer, esporte, cultura, cidadania, empreendedorismo social e serve como ferramentas de integração e inclusão social. Com a chegada da pandemia identificamos através do “Data Favela”, Instituto de pesquisa fundado pela CUFA em parceria com o Instituto Locomotiva, que a pandemia trouxe de volta a fome como um dos fatores que mais precisava de atenção na favelas. Com isso o foco mudou e passamos a ser mais assistencialista do que antes, focados em colocar comida na mesa dos moradores das favelas.
Em Ribeirão Preto estamos há três meses em atividade. Nosso objetivo é trabalhar em conjunto com as favelas e seus líderes, levantando as demandas e necessidades mais urgentes das comunidades. E assim viabilizar ações que atendam as pessoas neste momento tão difícil que estamos passando.
Tribuna Ribeirão – Como e quando você resolveu se engajar neste trabalho?
Raphael de Paula – A minha história com a população mais vulnerável vem de muitos anos atrás oriunda da minha família. Meu avô, Paulo Ferreira, foi presidente do Clube José do Patrocínio, o primeiro clube social dos negros da cidade de Ribeirão Preto. Ele já tinha essa visão de ser o elo entre a população das periferias que buscavam identidade, oportunidades e uma vida melhor, porém não tinham estudos, não tinham os melhores empregos e nem os melhores salários e ao mesmo tempo ainda eram rejeitados e discriminados. Então, esse olhar diferente sobre essa população está na minha raiz familiar. Sou sobrinho da Adria, professora aposentada e militante desse movimento há muitos anos, que transita nesse meio e tem o respeito muito grande da população negra pelo trabalho que faz. Hoje ela está a frente da “Casa da Mulher”, uma ONG que atua com as questões das mulheres periféricas da cidade de Ribeirão.
Também sou sobrinho da “Tica” presidente da escola de Samba “Os Bambas”, a escola mais antiga do país e que também já há muito tempo faz o trabalho social com a população periférica de Ribeirão, abrindo espaço e levando cultura, oportunidades, conhecimento e entretenimento para todos.
Tribuna Ribeirão – Ribeirão Preto tem mais de quarenta mil pessoas vivendo em favelas. Como a CUFA atua junto a esta população?
Raphael de Paula – Fazendo um levantamento e cadastramento das comunidades, detectamos mais de 105 favelas registradas em Ribeirão. Fora aquelas que ainda não receberam nenhuma assistência do poder público e que talvez ainda não estejam no mapa da cidade. Neste momento de pandemia a CUFA tem feito ações para levar alimentos, gás, roupas, cobertores, prevenção contra covid-19, álcool gel, máscaras, produtos de higiene e limpeza.
Tribuna Ribeirão – Como você avalia o Governo Municipal no que diz respeito às favelas da cidade?
Raphael de Paula – O governo tem feito algumas ações para ajudar essa população no enfrentamento da covid-19, distribuindo cestas básicas, roupas e cobertores. Conseguiu implementar o auxílio “Acolhe Ribeirão” e a Secretaria da Assistência Social vem fazendo o seu papel com essas iniciativas que ajudam muito essa população. Mas é preciso olhar com mais atenção a questão da moradia. Não é o momento de fazer reintegração de posse e não se preocupar para onde irão essas pessoas. É preciso urbanizar os territórios de favelas fixando seus moradores nos lugares onde eles já estão, legalizando essas edificações. Assim, acredito que a evasão obrigatória do local, a venda de moradias ilegais irá cair substancialmente, pois quando o governo na tentativa de desfavelar o local remove as famílias, ele coloca em risco toda a estrutura que a família montou para sua própria proteção e segurança. É preciso dar um pouco mais de dignidade levando os serviços públicos a essa gente, como saneamento básico, etc.
Tribuna Ribeirão – Cite alguns projetos desenvolvidos pela entidade.
Raphael de Paula – Nesse momento de pandemia a CUFA partiu para o trabalho de assistencialismo, dar comida a quem tem fome. Partindo desse princípio a CUFA Nacional desenvolveu parcerias com empresas privadas que viabilizaram ainda mais a realizarmos grandes ações como o “Panela Cheia”, “Mães da Favela Futebol Clube”, entre outros. São projetos nacionais que alimentaram mais de 5 milhões de famílias no país inteiro, inclusive em Ribeirão Preto.
A CUFA além de pensar no alimento, também pensou em como essas pessoas estavam esquentando a comida, levando em conta o valor do botijão de gás que aumenta a cada dia. Foi então com a parceria com a Ultragaz que levamos mais de 100 mil botijões de gás para as favelas do estado de São Paulo.
Outra ação que está sendo de extrema importância é levar conectividade e ajuda financeira para as mães das favelas. Em parceria com a Alô Social e o Pic Pay, a CUFA está disponibilizando seis meses de internet e ligações grátis e mais R$ 30. Tudo para ajudar no estudo dos filhos e economizar no orçamento. Outras ações estão por vir, pensando nos jovens moradores das favelas, na inclusão desses no mercado de trabalho e na oportunidade para formação profissional.
Tribuna Ribeirão – O que Prefeitura tem feito para diminuir o processo de favelização em Ribeirão Preto?
Raphael de Paula – Ao contrário do que muitos pensam a CUFA dialoga sim com o poder público, com o intuito de levar uma vida melhor para os moradores das favelas. Temos um ótimo relacionamento com o Fundo Social de Solidariedade e com a Secretaria de Assistência Social. Nesse diálogo, falamos sobre como podemos ajudar a acelerar o processo para que as coisas cheguem mais rápidas nas favelas e que possamos trabalhar em conjunto nesse processo. Sobre o desfavelamento a Lei 13.979 diz que nesse momento de pandemia, o poder público não poderia retirar as famílias de suas casas mesmo elas estando lá de maneira irregular. Porém, em Ribeiro Preto essa lei não está sendo cumprida. Esse é um dos problemas que as famílias nos procuram para tentar ajudar, buscamos sempre o melhor diálogo com o governo atual.