Até 1945, ano do despejo, pelos Estados Unidos, das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, a Humanidade tinha duas ameaças reais de ser extinta, ambas de causas naturais: uma pandemia incontrolável ou um cataclismo causado pelo impacto de um asteroide ou a erupção de um super-vulcão. A rápida proliferação do arsenal nuclear durante os anos da Guerra Fria, acrescentou o primeiro fator criado pelo homem com potencial de extinguir a própria espécie. Levamos dezenas de milhares de anos para chegar a isso. Porém, menos de oitenta anos depois da ameaça nuclear, acrescentamos um novo fator de risco: a Inteligência Artificial Geral.
Antes que pedras caiam sobre minha encanecida cabeça, me rotulem de alarmista ou me comparem aos terraplanistas e outros seguidores das teorias de conspiração, esclareço que esse alerta não é meu, mas sim de cientistas e empresários envolvidos com a IA, desenvolvedores de novos sistemas e chatbots e controladores de grandes empresas da área. O Centro para a Segurança da Inteligência Artificial (Center for AI Safety – em inglês), entidade criada justamente para encaminhar o desenvolvimento da IA para um uso seguro e que beneficie a Humanidade, formada por destacados cientistas e empresários da área, vem chamando a atenção sobre os riscos para a Humanidade com o mau uso da Inteligência Artificial.
Em seu site (www.safe.ai) observa que: “Embora a IA tenha muitas aplicações benéficas, ela também pode ser usada para perpetuar preconceitos, alimentar armas autônomas, promover desinformação e realizar ataques cibernéticos. Mesmo que os sistemas de IA sejam usados com envolvimento humano, os agentes de IA são cada vez mais capazes de agir de forma autônoma para causar danos (Chan et al., 2023).” E o governante russo Vladimir Putin já afirmou que “quem se tornar o líder (da IA) se tornará o governante do mundo”.
De uma forma mais específica são citados no site, oito riscos graves com o uso errado da IA, dos quais vou destacar:
Armamento: capacidade de produzir uma nova geração de armamento bioquímico, usando a IA, através da arquitetura e engenharia biológica.
Delegação do poder de decisão sobre o uso dessas novas armas e do armamento nuclear, passando-o para um sistema de Inteligência Artificial, o que pode causar o escalonamento irreversível de qualquer pequeno conflito para uma guerra nuclear global.
Desinformação: O uso da IA na produção de fake news nas redes sociais e das mídias tradicionais pode causar fraturas nas estruturas políticas e sociais, com radicalização da militância, solapamento da credibilidade institucional e rompimento do tecido moral da sociedade. O que já vimos no Brasil nas últimas duas eleições, está sendo multiplicado por mil com os novos sistemas de bots geradores e disseminadores de notícias falsas.
Enfraquecimento da relevância humana na economia mundial com a adoção de sistemas de produção cada vez mais inteligentes. Assim a relevância da intervenção humana na cadeia produtiva se tornaria insignificante e, portanto, geradora de gastos sociais imensos, o que seria visto como inaceitável pelos que estiverem no poder.
Concentração de poder: criar e gerir sistemas complexos de Inteligência Artificial requer um investimento quase inimaginável. Assim, poucos grupos ou empresas, com essa capacidade, podem adquirir mais poder sobre todos os aspectos da vida humana, da economia à política, do entretenimento à religião e assim por diante. Isso é um risco potencial, pois os objetivos desses poucos grupos tendem a ser diferentes entre si. Conflitos entre eles podem resultar em um risco potencial para a vida de todos.
Note que, em todos os riscos citados, existe um fator comum que é o fator humano. E esse fator poderia, se quisesse, levar a um ponto diverso aos cenários apocalípticos. Para isso é preciso criar uma mentalidade mundial de aplicação da IA que não seja só para conceitos econômicos/empresariais ou de defesa militar.
Seria preciso direcionar também para que a IA ajudasse na equalização da cidadania mundial, gerando mais postos de trabalho ao invés de cortá-los, melhorando a distribuição da renda, em todos os países do mundo e ajudando no esforço de se acabar com os bolsões de miséria e fome nas nações menos desenvolvidas. Também teríamos que desenvolver sistemas capazes de diminuir o aquecimento global e a destruição dos ambientes ecológicos do planeta.
Aí eu te pergunto, será que os atuais líderes mundiais estão mesmo preocupados com essas coisas de uma forma global e não só com seus respectivos quintais de influência? Não. E não estão porque, para iniciar a resolução dos problemas que afetam quase dois bilhões de pessoas na Terra, seria preciso regulamentar mundialmente, e de maneira enérgica, o desenvolvimento da IA. Seria um ato de governança global, coisa que causa pavor aos atuais líderes que ressuscitaram o nacionalismo como bandeira principal de seus governos.
Apesar disso, nesta semana, a Europa deu o primeiro passo, ao iniciar a discussão da regulamentação da IA dentro da União Europeia. Mas, a previsão é de muita turbulência e demora no processo. Veja bem, é regulamentar a IA e não só a Internet. São coisas diferentes, que pedem abordagens diferentes.
Mas, e se a Inteligência Artificial atingir o ponto de ultrapassar a inteligência humana, como será? Aí já é outro capítulo…