Edwaldo Arantes *
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Engraçado, quando tive contato pela primeira vez com o livro “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, achei meio tolo, insosso, um tanto quanto piegas.
Hoje, longe das lembranças da infância, reconsidero meus parcos entendimentos e a ignorância infantil, citando a frase, quase totalmente esquecida na memória, que acredito, seja assim:
“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração”.
Relendo a obra, pus-me a pensar sobre o significado do texto, mesmo quando li, sem entender, achando desprovido de quaisquer lógicas, era eu, uma criança, descobrindo os livros, as frases, suas atuações e importâncias nos nossos caminhos.
Hoje, debruçado sobre a existência e a maturidade, entendo a dicotomia, entre duas palavras que admiro e cultivo; expectativa e perspectiva.
Remeto-me à infância e revejo a espera, aguardando a esperança das noites natalinas, onde o verde arvoredo, erguido no meio da sala, adornado com enfeites, adereços multicores, bolas, bonequinhos, laços, anjos e o eterno pisca-pisca.
Adormecer, sonhando com um velhinho de barbas brancas e óculos ao nariz, trajando estranhas vestimentas, alheias aos nossos hábitos, cruzando os céus, sobrevoando montanhas, mares, rios, florestas, oceanos, percorrendo os seis continentes, todas as populações, suas diferenças, raças, crenças, idiomas, etnias, grupos, tribos e costumes, conduzindo seu trenó, puxado por renas que voam, desprovidas de asas.
Tudo para ao raiar do dia, ocorrer uma esperada e ofegante ansiedade, buscando aos pés da árvore, onde o bom Papai Noel, descendo pela chaminé, deposita os presentes pedidos, escritos em uma cartinha.
Sempre me assaltam pensamentos que se misturam à realidade atual e a inocência de outrora, provocando questionamentos e dúvidas.
As chaminés devem ser privilégio de poucos, como as abastadas ceias, as roupas de grifes, os presentes caros, destinados a uma determinada classe.
A imensa maioria das crianças do mundo, distantes das opulências, sorriem felizes com uma boneca de pano, que não fala ou sorri, com gestos quase humanos ou mesmo um carrinho para empurrar, as mentes férteis e inocentes agradecem pela linda boneca “Barbie”, em seu último lançamento ou a “Ferrari” vermelha e possante, voando pelas estradas.
Penso ser assim o motivo pelas quais, mercadores, mascates, comerciantes e toda uma mídia, em uníssono, com suas propagandas invadindo lares, repetirem a mensagem: “O bom velhinho não deixa nenhuma criança sem presente”.
Hoje, tenho sérias dúvidas sobre esta afirmação, assistindo aos comerciais televisivos, famílias brancas, arianas, em suntuosas mansões, com todos os seus componentes sentados em animadas prosas e orações, abastecidas com seus perus, perdizes, faisões, avelãs, castanhas, damascos, figos, uvas, vinhos, em uma festança, digna dos reis, faraós e a nobreza opulenta.
Jamais vi nas publicidades, difusões e propagandas natalinas, uma família miserável, sob as pontes e viadutos, aquecendo entre fogueiras improvisadas e crianças esquálidas e negras, desconfio que o trenó não aterrisse nestas circunstâncias.
Volto à outra palavra que tanto me cativa: perspectiva.
Como no romance do talentoso escritor; “Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz”.
Este anseio da busca, realização dos sonhos, ficar milionário com a sena acumulada, ser aprovado em um concurso público, passar no vestibular mais concorrido, viver eternamente, ser um jogador de futebol famoso, merecer o coração da garota mais linda da classe, ou simplesmente, aguardar a amada, mesmo na perspectiva remota de vê-la.
A mesa posta, vinhos, queijos, quitutes e guloseimas, o coração batendo descompassado, assustado com o relógio que avança, buscando o tempo incerto.
A campainha soa, refletindo o toque suave, ao abrir a porta, duas esmeraldas cintilantes, no olhar tímido, findando a ansiosa espera.
Creio que passamos toda uma vida entre a expectativa e a perspectiva, até que ao longe avistamos a curva da vida.
Sentado ao entardecer, tecendo lembranças, sorvendo um “Casal Garcia”, penso na força das palavras e seus significados, presentes e urgentes em nossas existências e experiências, entre esperanças, realizações, sucessos e, também, frustrações e derrotas.
* Agente cultural