O cinema dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop) retrata uma realidade conhecida por poucos. Referenciando o passado e o presente de países como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, tais filmes trazem elementos significativos sobre a atual identidade destas nações. Um exemplo? No período colonial, o cinema representava um instrumento de propaganda do regime português. Já durante a luta pela independência, o mesmo foi usado estrategicamente pelos movimentos nacionalistas. Com a independência das colônias, tal realidade se modifica, com as produções dessas nações independentes fortalecendo os interesses dos novos governos. A subsequente abertura política, seguida do multipartidarismo, no final dos anos 90, orientou o desenvolvimento de variados tipos de cinema relacionados aos Palop, ora voltados à crítica, ora ao entretenimento.
“Njinga, Rainha de Angola” (2013), de Sérgio Graciano, por exemplo, é um filme biográfico angolano que narra a história de Njinga, mulher destemida que, de 1583 a 1663, defendeu os povos do Ndongo (ou Ngola) e os de Matamba, esclarecendo similaridades do tráfico de escravos ocorrido em Angola e nas Américas, incluindo o Brasil. Por sua vez, “Ilha dos Escravos” (2008), de Francisco Manso, é inspirado no romance “O escravo”, de José Evaristo de Almeida (1856), primeiro romance cabo verdiano, retrata um triângulo amoroso no século XIX envolvendo a filha de um fazendeiro, um escravo e um oficial miguelista que, durante uma revolta em Cabo Verde, enfrentam um levantamento de tropas e, contrariando as suas próprias convicções antiliberais, tentam aliciar para seu campo a população escrava.
Pergunta-se, então, “É possível fazer uma segregação geográfica da produção cinematográfica avaliada de cada país?”. A resposta é não, uma vez que não existe apenas o cinema de Angola, ou o de Moçambique, ou o de Cabo Verde, mas, sim, filmes anteriores à independência desses países, bem como, filmes revolucionários, que estão no centro da luta pela independência e filmes que começam no declínio desse projeto. Também importa esclarecer que os filmes contemporâneos do Palop também não são mais financiados pelo Estado, mas por patrocinadores, apoiados por países estrangeiros em coproduções. Acerca disso, o cineasta moçambicano João Ribeiro defendeu, no Diário de Notícias de Lisboa, que a ausência de uma “cadeia de valor” e a falta de legislação são os principais entraves para a criação de uma indústria cinematográfica nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
De acordo com ele, “Ainda não temos uma cadeia de valor e, consequentemente, entre os PALOP, não temos uma indústria como tal. Infelizmente, precisaremos de algum tempo para criar este mercado. A Lei do Audiovisual e Cinema em Moçambique [aprovada no ano passado], por exemplo, chega muito tarde e, consequentemente, desajustada da realidade”. Para Ribeiro, é necessária uma maior atenção à dinâmica das artes por parte dos governos nos PALOP. Entendendo que iniciativas como o concurso de curtas-metragens que está a ser organizado pela UE são importantes no quadro das ações para dinamizar a indústria cinematográfica, Ribeiro, também, diretor do filme “Último Voo Do Flamingo”, que foi adaptado do livro do escritor moçambicano Mia Couto, entende que os PALOP precisam de espaços que cruzem realidades distintas, num contacto que junte povos que, apesar de serem de culturas diferentes, partilham laços históricos e linguísticos.
Segundo Ribeiro, que coordenou a residência artística em que os seis cineastas dos PALOP se juntaram durante pouco mais de uma semana, “É preciso promover o surgimento de novos cineastas”. Sobre tal residência, os participantes trocaram experiências e tentaram melhorar as suas produções, num processo que contou com a colaboração do Instituto Nacional do Audiovisual e Cinema de Moçambique.