A busca por alimentos suficientes para manter vidas e populações é tão antiga quanto a própria história do Homem. A necessidade crucial de alimentação foi responsável por um grande número de guerras e invasões no passado, mas continua a ocorrer em determinadas situações. A história de sucesso ou de fracasso de muitos povos esteve freqüentemente ligada a sua capacidade de produzir, estocar ou industrializar alimentos.
O crescimento da população mundial ao longo dos séculos tem muito a ver com a oferta maior de recursos alimentares. Por outro lado foi tomando vulto o conhecimento da importância da boa nutrição para as pessoas enfermas e, certamente, a assistência nutricional é uma das áreas que mais tem avançado a partir dos últimos decênios do Século XX.
Rapidamente, procedimentos ligados a nutrição clínica ampliaram seus nichos, restritos as copas e cozinhas de estabelecimentos hospitalares, invadiram indústrias, farmácias, centros cirúrgicos, unidades de terapia intensiva e, deixando os muros dos hospitais, chegaram aos ambulatórios e atingiram os próprios domicílios dos pacientes.
Era de esperar que uma revolução de tal vulto trouxesse consigo problemas éticos novos e acentuasse outros, até então pouco percebidos. A discussão dos problemas éticos e bioéticos ligados à nutrição não é simples, já que tanto a nutrição na saúde quanto a nutrição clínica envolvem grande variedade de profissionais, cujas visões e compromissos éticos nem sempre são conhecidos ou respeitados.
Infelizmente, ainda hoje, a devastação de populações inteiras pela fome continua ocorrendo, principalmente na África, enquanto outros países vivem na opulência, chegando ao desperdício de alimentos. Este é um problema bioético mundial de extrema gravidade. A distribuição “humanitária” de alimentos, jogados de helicópteros, constitui um dos mais vergonhosos exemplos da desigualdade entre os países, já que pouco se faz para prevenção das catástrofes alimentares que dizimam pobres em países africanos.
A morte por falta de alimentos constitui um exemplo de mistanásia, morte evitável, ecorrente de problemas sócio-econômicos, e que deve envergonhar cada cidadão consciente. A mistanásia está claramente definida nos versos de João Cabral de Mello Netto em “Morte e vida Severina”:
“E somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morreremos de morte igual, da mesma morte Severina.
Que é a morte de que se morre
de velhice antes do trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia.
De fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca a qualquer idade, e até gente não nascida”.