Por Roberta Jansen
O que existe no ar que respiramos? A verdade é que há até bem pouco tempo, ninguém sabia. Embora os microorganismos presentes no solo e nos oceanos estejam bem mapeados, o bioma do ar nunca tinha sido estudado em larga escala. Agora, pela primeira vez, cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, conseguiram fazer esse levantamento. E a resposta é inquietante: são mais de mil espécies de micróbios diferentes, muitas delas totalmente desconhecidas.
Segundo os pesquisadores, esse detalhamento inédito pode ajudar a criar ambientes com determinadas características, como o de hospitais por exemplo. Conhecendo os microorganismos presentes no ar também será possível estimar os efeitos do aquecimento global sobre esse bioma. O trabalho foi publicado no mês passado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
“A gente se preocupa muito com a água que bebe e muito pouco com o ar que respira”, alertou Ana Carolina Junqueira, professora do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ, uma das autoras do estudo.
Estudar o ecossistema do ar sempre foi um desafio para os cientistas por conta das baixas quantidades de material genético – o que dificulta a aquisição de DNA em quantidades suficientes para serem testadas. Por isso, o microbioma da atmosfera era o menos estudado em escala global, sobretudo quando comparado à hidrosfera e à litosfera.
O mapeamento foi possível agora por conta da descoberta de um novo método de coleta do ar e análise genética em amostras mínimas, até 50 vezes menores que um fio de cabelo. Os poucos estudos disponíveis até hoje tinham sido feitos em países de clima temperado. O novo levantamento foi realizado em Cingapura, um país de clima tropical como o Brasil.
Os pesquisadores concluíram que existem mais de mil espécies de micróbios no ar e, ainda, que essa diversidade responde a padrões específicos nos trópicos: o ar diurno é dominado por bactérias, enquanto o noturno é predominantemente constituído por fungos.
“Grande parte da população é alérgica”, lembra Ana Carolina. “Com essas informações, podemos determinar padrões de incidência de alergias em diferentes regiões, por exemplo. Também podemos orientar para que deixem a janela aberta à noite ou de dia, dependendo da alergia. Usar filtros de ar para não permitir a proliferação de determinados fungos.”
O novo estudo revela que o ar tropical apresenta uma complexidade microbiana semelhante à dos oceanos, solos e trato gastrointestinal humano – para citar os três microbiomas mais bem estudados até hoje. Fatores ambientais como a temperatura, umidade, irradiação solar e níveis de dióxido influenciam a composição e abundância das comunidades microbianas.
Por isso, o trabalho também é importante para o entendimento de processos relacionados às mudanças climáticas globais e à qualidade do ar.
“Estes resultados indicam que subestimamos a diversidade de microrganismos presentes na atmosfera e que mudanças climáticas podem alterar a composição do microbioma do ar”, sustenta Ana Junqueira.