Por Giovana Girardi, enviada especial
Um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos desenvolveu uma “equação do uso do solo” para mostrar como estratégias que reduzem o desmatamento na Amazônia podem fazer com que o País acabe lucrando mais do que com o modelo econômico que hoje se expande sobre a floresta.
O trabalho, que será divulgado hoje na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em Madri, propõe estratégias para terras em diferentes condições fundiárias na região e calcula quanto é possível aumentar em termos de produção de carne e grãos. A ideia é mostrar como promover o desenvolvimento sustentável com desmatamento zero.
Os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Centro de Pesquisa Woods Hole elaboraram um plano de ação em quatro categorias fundiárias: terras públicas não designadas, que hoje estão à mercê da grilagem; propriedades particulares com vegetação nativa além da prevista pelo Código Florestal; propriedades privadas de médio e grande porte; e áreas de produção familiar.
“Olhando os dados históricos da evolução da fronteira agrícola, percebemos que entre 1985 e 2017 abrimos uma área equivalente à da França. O Brasil se tornou um grande player da agropecuária mundial, ocupando a Amazônia e o Cerrado. Cresceu o PIB, o Brasil responde por 7% do mercado mundial de commodities, muita gente come no mundo porque o País produz alimento, mas dentro desse pressuposto que hoje ninguém aceita mais”, disse André Guimarães, diretor executivo do Ipam e um dos autores do estudo. “Agora precisamos continuar crescendo, suprindo alimento, mas não mais dentro desse antigo paradigma de abrir fronteira. Então elaboramos esses quatro pilares para aumentar a renda no campo sem mais desmatamento.”
Grilagem
O primeiro pilar é sobre as áreas públicas sem destinação – o principal foco de grileiros. Um estudo anterior do Ipam estimou que há cerca de 65 milhões de hectares nessas condições na Amazônia. “Enquanto estiverem disponíveis, serão alvo”, diz. A primeira proposta do trabalho é que elas sejam destinadas para a conservação – transformadas em parques, por exemplo. A ação dependeria de governos federais e estaduais, que de maneira coordenada poderiam eliminar o acesso de grileiros e permitir formas de desenvolvimento, como o turismo.
A segunda ação é incentivar o aumento da produtividade das áreas já abertas na Amazônia. Os pesquisadores calcularam que a produção da carne poderia subir dos atuais 60?quilos por hectare/ano para 150?quilos em 21% da área de pastagem já existente (cerca de 11 milhões de hectares). Isso liberaria 4 milhões de hectares, o que, pelo cálculo, seria o suficiente para que o Brasil atinja suas metas de crescimento até 2030 de gado (43%) e grãos (33%).
“Se o País precisa produzir mais, a ideia é canalizar as políticas públicas”, diz Guimarães. “O Plano Safra deveria virar um grande Plano ABC”, afirma, referindo-se ao recurso que hoje existe para a “agricultura de baixo carbono”, mas que hoje tem um valor bem baixo. Neste ano, recebeu apenas 0,9% do crédito agrícola, que chega a mais de R$ 200 bilhões por ano.
“O Plano Safra é um subsídio público. É dinheiro nosso. Queremos que seja usado para intensificar a produção e não para abrir fronteiras agrícolas”, defende Guimarães. “Por que não optar por canalizar o recurso para os produtores que tiverem projetos para esse fim?”
A terceira estratégia é pôr em prática o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a fim de eliminar o desmatamento que ainda poderia ocorrer de modo legal. O alvo aqui são propriedades privadas que têm um excedente de terras preservadas – além da área que deve ser protegida pelo Código Florestal – de 80% no caso de propriedades no bioma Amazônia. “A ideia é remunerar esses proprietários por esse excedente de Reserva Legal para que ele não exerça seu direito de desmatar”, explica Guimarães.
Calcula-se que existam cerca de 28 milhões de hectares de vegetação nativa nessas condições em propriedades privadas. Por lei, os donos das terras poderiam vir a desmatá-las. Com o PSA, eles teriam uma renda e não precisariam fazer isso. Essa possibilidade já é prevista no Código Florestal, mas nunca foi regulamentada. O trabalho, publicado na revista Land Use Policy, também recomenda que mecanismos alternativos de PSA sejam estimulados.
O último pilar do estudo é promover melhorias econômicas, ambientais e sociais na agricultura familiar, por meio de assistência técnica rural fornecida pelos Estados e pelo setor privado. “De todo o desmatamento na Amazônia, cerca de 30% ocorre em pequena propriedade e por ausência total de assistência técnica. O capital financeiro não está disponível, o capital humano é baixo, então tudo o que eles têm é o capital natural, que é frequentemente aberto para gerar renda”, explica
Exemplo
O estudo cita como exemplo um trabalho do Ipam feito ao longo de cinco anos com 650 famílias no Pará, que ofereceu assistência técnica continuada. Houve um aumento de 121% da renda e redução de 79% no desmatamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.