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Estamos voltando à idade média

Falar em Idade Média nos remete, sem dúvida, a uma visão eurocêntrica da História. Afinal, o Medievo diz respeito a uma visão linear da história do Ocidente, em particular da Europa Ocidental, sem significado algum para outros povos. No entanto, o senso comum ainda entende “Idade Média” em um sentido bem pejorativo, identificando-a com certo perío­do de atraso. Ela já foi chamada até de “época das trevas”.

Uma historiografia mais recente tem reabilitado esse período, reconhecendo a sua importância para a História do Ocidente. Li há pouco tempo um interessante artigo de Phili­pp Lichterbeck, com o título “Brasil, um país do passado”. Ins­piramo-nos neste artigo para a coluna de hoje, e empregamos “medieval” bem naquele sentido pejorativo com o objetivo de alcançar um entendimento mais amplo dos leitores.

Lichterbeck é articulista dos jornais Tagesspiegel, de Berlim, Wochenzeitung, de Zurique, e Wiener Zeitung, de Viena, mas reside no Rio desde 2012. Para ele, no Brasil atual, não se grita “herege!”, mas “comunismo!”. É a acusação com a qual se demo­niza a ciência e o progresso social. À emancipação de minorias e grupos menos favorecidos: comunismo! À liberdade artística: comunismo! Aos Direitos humanos: comunismo! À justiça social: comunismo! Ao pensamento crítico em si: comunismo!

Tudo isso são conquistas que não são questionadas em sociedades progressistas. O Brasil de hoje não as quer mais. Por aqui, trata-se de uma denúncia anacrônica. Como se hoje houvesse um forte movimento comunista no Brasil. O novo brasileiro não deve mais questionar, ele precisa obedecer: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Viceja entre nós um anti-intelectualismo odiento, cujo combustível é aquela falsa noção de que a democracia significa que “a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento”, como dizia o escritor Isaac Asimov. Corre por aí uma anedota que um pai brasileiro tirou o filho da escola porque não queria que ele aprendesse sobre o cubismo. Ele alegava que o filho não precisa saber nada sobre Cuba, que isso era doutrinação mar­xista. Sabemos que a base da ciência é o discernimento.

Mas os novos inquisidores amam fotos, vídeos e textos totalmente toscos, montagens grosseiras, acreditam piamente em publicações sem verificar a fonte e a mínima veracidade. Para Lichterbeck, destruir, acabar, detonar, desmoralizar – são seus conceitos fundamentais. E, para que ninguém se engane, o ataque vale para o próprio esclarecimento.

Os novos inquisidores não querem mais Immanuel Kant, querem Silas Malafaia. Não querem mais Paulo Freire, que­rem Alexandre Frota. Não querem Chico Mendes, querem a “musa do veneno”. Pode-se imaginar que seja para ingerir ainda mais agrotóxicos. Dá para imaginar para onde vai uma sociedade que tem esse tipo de fanatismo: para o nada. Os sinais de alerta estão acesos em toda parte.

Para Lichterbeck, e concordo com ele, está claríssimo que a restrição do pensamento começa na escola. Por isso, os novos inquisidores se concentram especialmente nela. A “Escola Sem Partido” tenta fazer exatamente isso. Leandro Karnal, uma das cabeças mais inteligentes do Brasil, com razão descreve a ideia como “asneira sem tamanho”. A Escola Sem Partido foi idealizada por gente sem noção de pedagogia, formação e educação. Eles querem reprimir o conhecimento e a discussão. Só isso. Kyrie, Eleison!

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