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Estamos desenganados

Certa feita ouvi algumas pessoas comentando que alguém conhecido estava muito doente e que os médicos já haviam desenganado a família. Durante certo tempo fiquei refletindo sobre aquele termo. O que seria desenganar? Será que somos enganados com a possibilidade de melhora até um profissio­nal chegar e contar a verdade?

No dicionário informal, desenganado é o paciente termi­nal que não possui mais tratamento ou medicação para cura. Contar toda a realidade para o paciente e seus familiares, pode assustar e impactar no início, mas a verdade apresen­tada com habilidade torna o cidadão mais consciente das possibilidades, podendo colaborar no engajamento ao plano terapêutico.

Nenhuma propaganda ou discurso ideológico será capaz de negar a realidade: o Brasil está muito doente! E não só por conta da covid-19, mas também pela corrupção, desemprego, violência, entre outros males. A boa notícia é que este país tem cura, mas precisará seguir corretamente o tratamento, toman­do o medicamento certo, na dose e tempo certos. Estamos sem um projeto nacional, a pobreza, a miséria e a exclusão aumen­taram e faltam políticas públicas inclusivas e justiça social. Apesar da grande renovação no parlamento e nas assembleias legislativas, não conseguimos a reforma do sistema político e as velhas práticas continuam sendo observadas.

Apesar da crise, muitos insistem em embates desnecessá­rios e inoportunos, buscando soluções mágicas para pro­blemas graves, quando a prioridade agora não é saber qual grupo está certo ou errado, mas sim preparar a economia e todo arranjo produtivo para o pós-pandemia. Agora urge, ainda, reduzir os índices de contaminação e letalidade.

Na ausência de um grande líder nacional, estados e mu­nicípios tentam superar as tradicionais barreiras da falta de estrutura, condições de trabalho, equipamentos e tecnologias adequadas. A legião de profissionais da saúde está cansada e fragilizada, testemunhando diariamente a morte de pacientes e colegas de trabalho. Mesmo diante de tantos problemas, conti­nua com altivez, exercendo o mister de cuidar de gente e salvar vidas. Merece respeito, solidariedade e também valorização.

A pandemia mostrou que o SUS é indispensável para a po­pulação brasileira, especialmente as parcelas mais necessitadas, mas também escancarou suas falhas e mazelas. Agora é funda­mental que a rede pública e a privada de saúde proporcionem segurança no ambiente de trabalho, notadamente com aquisi­ção de equipamentos de proteção individual (EPI) adequados e a reorganização de processos de trabalho. Superada a crise, o Congresso Nacional precisará rever a Emenda Constitucional 95 que limitou os gastos públicos, inclusive da saúde.

Precisamos investir pesado na qualidade do ensino e for­mação dos futuros profissionais da saúde e atualização perma­nente dos atuais. Ainda, reforçar a atenção primária; melhorar os serviços de retaguarda e a gestão hospitalar; informatizar toda a rede; ampliar serviços e recursos humanos e inserir novas tecnologias. Não é admissível verificar as longas filas em serviços que podem ser agendados, tão pouco a inadequada comunicação com os pacientes em plena era digital.

O Brasil conta com excelentes profissionais na academia, na pesquisa e também na linha de frente da saúde. Precisa de mais e melhores gestores. Em analogia à assistência farma­cêutica, precisamos de gestores e políticos de referência, talvez até similares ou genéricos, o que não dá para aceitar é esse tanto de gente placebo.

Agora que estamos desenganados, vamos fazer todo necessário para que a teoria se transforme em boas práticas. Que o SUS triunfe e a saúde pública de qualidade com finan­ciamento adequado e acesso universal seja garantida.

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