Um estudo encomendado pela Fórmula 1 à Amazon Web Services (AWS) analisou as voltas de classificação dos pilotos que estiveram na categoria de 1983 para cá para descobrir qual deles é o mais rápido das últimas quatro décadas. Foi considerada a velocidade bruta e a comparação entre corredores de uma mesma equipe, usando um algoritmo chamado Fastest Driver, que permite a comparação entre gerações diferentes. O topo ficou com o tricampeão mundial Ayrton Senna, com 114 milésimos de vantagem sobre o alemão Michael Schumacher, e 275 milésimos à frente do inglês Lewis Hamilton.
Segundo a Fórmula 1, o algoritmo desenvolvido junto à Amazon levou um ano para ser concluído e foi protegido de situações consideradas atípicas, como batidas, falhas mecânicas ou mudanças nas condições de clima em um treino classificatório. “Você dá vários inputs [entradas] de informação e ele [algoritmo] vai te puxar um histórico de um banco de dados. Eles colocaram um parâmetro e há como você, na hora de formular esse algoritmo, colocar inputs ‘para igualar’ as informações. Por exemplo, ‘igualar’ tempo, potência ou quilometragem de autódromos. É como se você colocasse uma compensação [entre dados diferentes]”, explica Erika Prado, engenheira de dados da Fórmula Vee Brasil.
Como toda lista esportiva, por mais objetiva que tente ser, ela gerou discussão no meio automobilístico. “Não considero confiável, não por falta de dados ou pela qualidade do algoritmo. São técnicas diferentes que são utilizadas em diferentes momentos da Fórmula 1. Nos anos 50 e 60, se você batesse o carro, morria. Hoje, se você bater o carro, muito provavelmente não vai morrer. É outro tipo de sentimento, de técnica, de preparo físico. O esporte evoluiu, então, comparar maçã com laranja, acho que não é tão válido”, analisa Lucas Di Grassi, piloto da categoria em 2010 e atualmente na Fórmula E.
A análise considerar a velocidade pura, sem levar em conta as características do veículo, também incomoda Di Grassi. “No automobilismo, você depende do engenheiro, do carro, do motor. Tem muito o ‘nós’. Não dá para contar só o piloto, tem de contar a equipe inteira. É muito difícil tirar o carro da equação, porque mesmo dois carros iguais podem ter desempenhos diferentes, por causa do setup [configuração], da decisão do engenheiro, da pressão de pneu, se o cara errou na pressão em determinada corrida. Isso muda muito”, avalia.
Jornalista especializado em automobilismo, Castilho de Andrade vê o estudo como confiável, embora reconheça ser polêmico, e considera natural a presença de Senna no topo da lista. “Sempre achei que ele, talvez, fosse o único a andar acima do limite. Era uma característica dele. Qualquer outro piloto não tirava do carro o que ele conseguia. Eu via isso, conversando com engenheiros e com gente da Fórmula 1”, afirma o profissional, que é diretor de imprensa do Grande Prêmio do Brasil.
Castilho, porém, entende que a análise não é definitiva sobre a história da categoria. “Você tem a Fórmula 1 dos anos 50 até o início dos anos 80. O Jim Clark [escocês, foi bicampeão mundial na década de 60] era rapidíssimo. Se as marcas dele pudessem ter sido comparadas, teríamos, talvez, algo surpreendente”, destaca.
Brasileiros na lista
Entre os 142 pilotos avaliados no estudo, estão os 15 brasileiros que competiram na Fórmula 1 de 1983 para cá. Além de Senna, outros dois aparecem no top 20 da lista: Rubens Barrichello (11º) e Felipe Massa (20º). Apesar de não terem conquistado títulos na categoria, eles ficam à frente, por exemplo, de Nelson Piquet (40º), três vezes campeão, com duas conquistas (1983 e 1987) durante o período analisado.
“Ele [Piquet] sempre foi um piloto muito focado no resultado, na vitória, mais do que estabelecer marcas seguidas de velocidade. Claro que soa estranho alguém que foi tricampeão, que somou um número respeitável de vitórias, ficar atrás, mas tenho alguns depoimentos, que ouvi ao longo da cobertura na Fórmula 1, do Schumacher falar da velocidade do Rubinho. Ele se impressionava muito com a facilidade que ele tinha para acertar o carro e imprimir uma velocidade muito grande”, diz Castilho.
O jornalista lembra que Schumacher ficou em segundo no estudo sobre velocidade e que o algoritmo da análise leva em conta a comparação entre pilotos de mesma equipe. Barrichello correu seis anos ao lado do alemão na Ferrari, entre 2000 e 2005, sendo substituído justamente por Massa, que foi parceiro de Schumi em sua primeira temporada na escuderia italiana, em 2006. “Tenho a impressão que isso fez as marcas dos brasileiros subirem [na lista], pelo grau de comparação”, analisa.
Geração mais rápida?
Fora Senna, os outros pilotos do top 10 correram, ao menos, em uma temporada desta década. Quatro deles seguem em atividade. Além de Hamilton, da Mercedes, aparecem entre os 10 primeiros o holandês Max Verstappen (4º), da Red Bull, o monegasco Charles Leclerc (7º) e o alemão Sebastian Vettel (10º), ambos da Ferrari. Seria correto dizer que a categoria conheceu nos últimos anos a geração mais rápida de todos os tempos?
“Não considero que seja a mais rápida. Acho que é uma geração de pilotos muito boa, que emplacou, em vários momentos, pilotos excepcionais, o que é difícil na Fórmula 1. Tivemos épocas em que eram de pilotos na média, sem alguém extraordinário como o Hamilton ou o Verstappen”, avalia Erika. “O Leclerc foi o único que me deixou um pouco incomodada na lista, porque ele não fez muitas poles [sete na carreira]. Mas, lembrando que o algoritmo compara o piloto com o companheiro de equipe [Vettel]. Essa comparação, no momento [ruim] que o Vettel está vivendo, pode ter influenciado”, completa.
A engenheira também cita a evolução tecnológica da categoria, que é vivenciada pelos corredores atuais. “É um período de carros muito rápidos. Tem uma equipe hegemônica, como a Mercedes, uma muito forte, como a Red Bull. São equipes que precisam mais do piloto com talento para guiar esse carro muito rápido, do que propriamente o carro ‘ganhar’ a corrida. A gente vê a diferença do Hamilton para o [finlandês Valtteri] Bottas, da mesma equipe. Faz sentido essa geração estar ali [entre os mais velozes]”, conclui.
Edição: Fábio Lisboa