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Escrita à mão vira hobby na era digital

Por Priscila Mengue

Quando foi a última vez que você utilizou uma caneta ou um lápis? Em uma realidade em que usar aplicativos, redes sociais e e-mail é uma tarefa ordinária, escrever à mão está ganhando espaço de outra forma: como trabalho manual. Em cursos, canais na internet ou no mercado editorial, a escrita à mão se populariza com os nomes de caligrafia e lettering.

O conceito principal é o mesmo, de desenhar letras. A diferença é que a caligrafia tem por base regras tipográficas, enquanto o lettering é feito no improviso e mistura as mais variadas técnicas (como combinar letra cursiva e de forma em uma mesma frase, por exemplo).

Escritora em tempo integral, Tati Lopatiuk, de 33 anos, aderiu à caligrafia há pouco mais de um mês. O hobby surgiu quase como uma necessidade para melhorar a preparação do bullet journal – tipo de diário semanal.

Agora, ela criou um grupo com cinco amigas para organizar encontros sobre o tema. “Quando estava no colégio, gostava de ter a letra bonitinha, cuidar do caderno. É legal ver que é uma coisa sua, não um recorte”, diz. A escritora aprendeu a técnica por meio do livro “Caligrafia para relaxar”, aposta da Editora Sextante para o mercado de livros interativos.

Lançado em novembro, o livro traz exercícios diversos, amparados em textos motivacionais, e é personalizável. “A pessoa sai do mundo digital para fazer as tarefas, mas, depois, quer fotografar e compartilhar o resultado”, comenta a gerente de aquisições da Sextante, Nana Vaz de Castro. Só no Instagram, as hashtags “lettering” e “caligrafia” tem 7,2 milhões e 324,5 mil postagens, respectivamente.

Adepta dos livros de colorir, a contadora Ilca Lacerda, de 42 anos, começou no lettering há quase um ano. Acostumada a praticar todos os dias, aprendeu tudo de forma autodidata e é, hoje, administradora de um dos principais grupos do tema no Facebook, o Hand Lettering Brasil, com quase 1,9 mil membros.

Segundo Ilca, a procura aumentou desde agosto e é maior principalmente entre paulistas e curitibanos. “Estou começando a fazer vídeos ao vivo para ensinar o que já aprendi, mesmo não sendo profissional.”

Já o programador Nelson Antunes, de 28 anos, entrou em contato com a caligrafia em um curso de curta duração. A ideia veio por meio de uma postagem do designer Hugo Cruz, de 32 anos, que já costumava seguir no Instagram. “Minha maior preocupação era se eu teria as habilidades necessárias”, diz o jovem, que não costuma escrever à mão no dia a dia.

A organizadora de eventos Camila Iwazaki, de 43 anos, adotou o hábito diariamente, escrevendo desde cartas para sobrinhos até cartões-postais – por ser “de outra geração”. Mesmo assim, encarou a caligrafia como um hobby, assim como o crochê e o tricô, que começou há um ano. “Sou de outra geração, não funciono assistindo tutorial, prefiro ver na minha frente alguém fazendo”, diz ela.

Tanto Camila quanto Antunes aprenderam em uma oficina de Hugo Cruz. Originalmente ligado mais a trabalhos de outro tipo, o designer se voltou ao lettering e à caligrafia há um ano. “Vai de ações publicitárias de personalizar bolsas até cardápios escritos a giz e ilustrações para revistas”, explica.

Também atuando no mercado, a arquiteta Marina Viabone, de 28 anos, do canal Primeiro Rabisco, transformou há dois anos o hobby em lettering em profissão. “É um resgate do analógico. As pessoas gostam de ganhar o produto na hora, com a frase que escolheu”, comenta ela, que diz atender um público de 14 a 65 anos em suas oficinas.

Novos significados

O professor de Sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rogério Baptistini observa que as pessoas “estão buscando desenhar letras como se estivessem fazendo uma atividade manual, artesanal”. “Talvez essa busca de frases que têm sentido, que chegam a ser de autoajuda, até demonstre uma tentativa de buscar novos significados, como se nós, humanos, estivéssemos tentando humanizar um mundo cada vez mais desumanizado”, arrisca.

Para o professor de Linguística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcelo Buzato, a escrita é uma prática sociocultural, que permanece, embora esteja em constante transformação. “Nos anos 1920, 1930, não se deixava crianças pegarem em lápis, porque eram afiados, os pais tinham medo. (Hoje) muitas das funções da escrita que estavam amarradas à escrita cursiva perderam valor, estão sendo substituídas. Ao mesmo tempo, as pessoas se apropriam da escrita com outras funções”, analisa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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